Friday, November 30, 2007

[hoje é dia de poesia]

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Existir-se
lana nóbrega


Os passos
Que dão meus sapatos
Passados
No alho e no pão

Os passos
Que repassados
Ensinam a luz
Que cega a escuridão

Os passos
Que ainda não vieram
Que ainda não disseram
Seu sim e seu não

Os passos
Desses meus sapatos
Que andam em linha reta
Em curva e contramão

Os passos que passeiam à toa
Feito uma garoa
Seja ruim ou boa
A molhar o chão

Os passos
Que fazem o caminho
Desse desalinho
Que por fim costuram
Toda a imensidão.



30/11/2007



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Tuesday, November 20, 2007

[o clube dos conceituadores]

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[o coração]
lana nóbrega


Discutiam em conceituar as palavras. Em dizer o que era o que. Em explicar tim tim por tim tim todos os nomes que o homem tinha inventado.

Porque todos os nomes podem ser qualquer coisa.

A cadelinha da pequenina era Pipoca. O apelido da namorada era Bebê. O nome do bairro violento era Paraíso.

E, nas conversas, brincavam de dizer tudo o que podia ser cada palavra.

Porque o contexto explica tudo.

O contexto é sempre benevolente com seus fatos. E, nele, tudo cabe.

Foi então que chegaram ao coração.

Músculo involuntário que bate no peito! – gritou o mais tradicional.

Caixinha de guardar bem-querer! – falou a mais romântica.

Pulmão da alma! – disse o filósofo.

Tinta do livro da vida! – recitou o poeta.

Fonte de desilusões! – murmurou o rancoroso.

Inimigo da razão! – bradou o racional.

Um vazio! – disse o desiludido.

Baú de memórias! – concluiu o velho.

Receptáculo de amor! – versou o enamorado.

A criancinha, que olhava atenta para a brincadeira, disse toda resoluta:

Um sorriso!

Todos olharam para ela e acharam engraçado.

O filósofo, interessado em tal reflexão, perguntou por que.
A criança respondeu:

Porque sempre que a gente vê ou se lembra de alguém ou de alguma coisa que a gente carrega no coração, a gente sorri!

E foi nesse dia que o Clube dos Conceituadores achou o perfeito conceito para o coração.











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Monday, November 19, 2007

[volta]


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que sempre é um sorriso quando conseguimos achar o caminho de volta

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[TODOS OS NOMES]
lana nóbrega



Todos os nomes
Balbuciam em nossos rostos
E sons não são necessários

Entre adeuses
E boas sortes

Entre lágrimas
E separações

Entre uma mão e outra
Está um corpo

Um corpo só
Que condensa em si
Todos os outros

Porque a existência
Perpassa a todos
Os que respiram

E se comunicar
É nascer

Por isso existimos aos pedaços
Fragmentos que moram em todos

Por isso somos todos quebra-cabeças
Divididos em nossas pecinhas

Por isso estamos sempre a buscar
Esses pedaços que ainda não achamos.


19/11/2007











[RODARÃO]
lana nóbrega


A roda é uma mentira.

Numa roda não há atrito
A vida só se transforma pelo atrito
A vida só existe do atrito
É essa condição que cabe ao tempo
O tempo é formador de atritos
Porque é o atrito que transforma
E a transformação é ação do tempo

Então a roda é uma mentira.

Invenção do homem.

Porque mesmo o quadrado,
Que, rodando, se transforma em roda
Quando vira roda já não tem mais graça.

O que esperar da roda?

Ela só roda.

A roda é uma mentira.
Invenção do homem.

A roda não existe.

19/11/2007


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nele há uma beleza que o tempo enfeita.


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Tuesday, September 11, 2007

[meus homens]

São três os homens que habitam minha cabeça: longos e teimosos como todos os homens deveriam ser.

Meus três fios de cabelos brancos. ***

Eles são discretos, no entanto. Como todo homem que eu admiro.
Sabem que estão ali e isso é o que importa.

Não chegaram aos poucos. Anunciaram de vez sua chegada.
Com a fortaleza e a firmeza de homem raro.

Não vieram cinza. Não, não.
Sua branquidão ilumina os outros ao seu redor: iguais, normais, formais, ordinários.

Eles não. Meus três homens agarram-me com força. Brincam de quando comigo.
Eles anunciam, como homem ideal, sua liderança: Minha filha, vês?

Vejo, vejo.
Por seus olhos, seis olhos, vejo muito.

Tirar-lhes de minha cabeça?
Arrancar-lhes de meus pensamentos?

Qual!

Sua presença é eterna.
O que eles anunciam, abraça o tempo.
O que eles acompanham, escreve os dias.

Meus três homens lindos.

Chegaram com a coragem de quem rompe barreiras.
De quem quebra silêncio.
De quem chega com certeza.

Sou eu, dona flor, com três maridos companheiros de todos os momentos.
Em nossos banhos, lavo-lhes com prazer servil.
Cuido de sua beleza, pois a beleza deles é também minha: como todo amor deve ser.

Meus três homens dormem comigo. Dividem o travesseiro.

Acariciam-me a testa.

Gemem quando eu também o faço.

Cantam parabéns para mim, orgulhosos.

E, quando me canso deles, eles se erguem com fúria masculina: exigem: esbravejam: seguram minhas mãos com força e me fazem ver que lhes preciso.

Meus homens agarram-me sem vontade de me soltar.
Eu deixo-me agarrar sem vontade de ser solta.

E o tempo permanece em nós.



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*** Trecho adicionado para melhor entendimento dos meus dois leitores! :P

Sunday, September 09, 2007

[como vai você?] *

Às vezes as pessoas vêm lhe falar entre cochichos e assobios sobre mudanças, sobre as efemeridades da vida e sobre como tudo o que lhe acontece é realmente para o seu bem, para o seu aprendizado: experiências que lhe acontecem porque, basicamente, têm de lhe acontecer: pois pressupõem a transformação de quem você um dia foi em quem você hoje é, ou no futuro será.

Eu sei porque eu sou uma das que vive dizendo isso.

É nisso que acredito e é assim que justifico muitas, senão todas, das coisas que me acontecem.

O hoje se entrelaça ao amanhã em uma mesma malha temporal – em um significado contínuo que não apenas lhe significa, mas à sua existência.

E tudo o que lhe parece fragmentado e sem sentido e talvez até doído em demasiado na verdade realmente o é: mas o que falta se dizer é que cada fragmento é parte de um todo: e todo momento de dor constitui um sorriso futuro: mesmo que esse sorriso seja a cura dessa dor.

É como um calo que se forma no pé: ele lhe aparece latejante, incômodo, incansável em sua tarefa de lhe machucar. E lhe é impossível esquecer-se dele. Ele está ali: em carne viva, presente.

E não há band-aid que consiga isolar aquela dor de você.

E você segue convivendo com aquela dor da melhor forma que pode. Caminhando, mesmo que cada passo lhe machuque e lhe seja doído.

Até que um dia, sem que você sequer perceba, sem que você racionalize, sem que você até se lembre de procurar a caixa de band-aids, você calça seus sapatos apressada, e já bem longe no caminho percebe: o calo não lhe dói mais.

Porque assim é a dor: ela anuncia os gritos sua chegada, mas não lhe comunica sua saída.

Mas perceber que ela foi-se é talvez um dos atos humanos que mais englobem em si, o tempo.

O tempo que vem com a missão de nos fazer mais sábios, melhores companheiros de nós mesmos. O tempo que se intitula professor de qualquer um que se aceite como seu aluno.

Saber que passado, presente e futuro são constituídos da mesma massa temporal, é assumir-se ser contínuo, é entender que transformar-se é o primeiro e o último ato humano.


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Em duas palavras eu posso resumir tudo que aprendi sobre a vida: ela continua.

ROBERT LEE FROST

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* texto em homenagem à amiga do amigo.



Nova paixão idiomática minha



Thursday, August 30, 2007

[beijo]

Que às vezes a alma é beijada e a boca sorri para dentro.

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ESTA MENINA
TÃO PEQUENINA
QUER SER BAILARINA.
NÃO CONHECE NEM DÓ NEM RÉ
MAS SABE FICAR NA PONTA DO PÉ.
NÃO CONHECE NEM MI NEM FÁ,
MAS INCLINA O CORPO PARA CÁ E PARA LÁ.
NÃO CONHECE NEM LÁ NEM SI,
MAS FECHA OS OLHOS E SORRI.
RODA, RODA, RODA COM OS BRACINHOS NO AR
E NÃO FICA TONTA NEM SAI DO LUGAR.
PÕE NO CABELO UMA ESTRELA E UM VÉU
E DIZ QUE CAIU DO CÉU.
ESTA MENINA
TÃO PEQUENINA
QUER SER BAILARINA.
MAS DEPOIS ESQUECE TODAS AS DANÇAS,
E TAMBÉM QUER DORMIR COMO AS OUTRAS CRIANÇAS.


- cecília meireles –

Tuesday, August 28, 2007

[o visível e o invisível]


Eu tenho uma memória curtíssima. Às vezes até acho que é intencional. Lembro-me, para variar, da fala de um personagem de desenho animado: Ah, você me conhece, sou preguiçoso demais para carregar um rancor. Eu realmente não gosto de coisas pesadas. De pesado já basta o meu sempre fofinho corpo.

2007 será sempre para mim um ano de passagens. É como se este ano eu tivesse perdido a virgindade da alma.

Ainda faltam quatro meses para o final deste ano – mas dentro dele existiram tantos, tantos anos. Uma existência inteira.

Não há como eu jorrar aqui minhas transformações: elas não cabem nas palavras: só o sentir as comporta confortavelmente, expansivamente, fielmente.

No entanto, em meio a todo o caos, uma calma me possui.

Sinto-me igreja – templo de Deus. Solo sagrado. Dona de uma certeza que não posso tocar, mas que existe por todo o meu redor.

Sinto-me, ainda assim, profana. Mais humana do que nunca. Mais certa de meus erros do que nunca: se permitir errar é bom. Conforta. Lhe faz sorrir encabulada e faceira: da próxima vez acho que acerto, né?

O desespero não constrói. O desespero só desespera. Mas também ele é necessário, claro. Toda água muda de estado em altas temperaturas: e o que somos senão água? Matéria em movimento? Que evapora e condensa, evapora e condensa – mudando constantemente de estado? Tomando novas formas?

Tristes são as águas que congelam e não vão ao sol derreter-se.

Derreter-se é preciso. O estado líquido permite o movimento.

E acho que é isso: nunca fui tão líquida.

Talvez algumas coisas tenham sim perdido a aura de sagradas.

E isso causa alguma saudade. Algum pesar.

Como coisas que se tornaram menos belas, coisas que se parecem menos com um sonho bom.

Mas outras coisas são apenas ‘vinho transformado em cerveja’.

Que desceram do altar para vir pular junto com a multidão.

Os mais próximos talvez percebam pequenas mudanças. Alguns chamarão isso de amadurecimento. Outros chamarão de outras coisas – porque sempre buscamos nossas definições.

Não perca sua benevolência – disse-me uma pessoa querida.

A poliana em mim rebate: a vida é cheia de peripécias.

E eu acredito nela. Acreditarei sempre. Porque Chaplin é meu guru: o tempo é o melhor autor: sempre encontra um final perfeito. A questão é que a história não se escreve sozinha: nossos corações são canetas: nossos pensamentos, tinta: nossas atitudes, papel.

Em um mês, aproximadamente, enfrentarei, sozinha, meu monstro. Histórias tendem a se repetir. Saberei percorrer o labirinto? Acharei o meu amor? Encontrar-me-ei com reais 28 anos? Habitarei o meu castelo? Serei raciocínio lógico? Acharei entendimento para o meu sentir? São páginas que não existem ainda: e páginas não escritas são como folhas ao vento: voam em qualquer direção.

Mas carrego muitos comigo. Muitos, muitos. Um povoado conhecido e querido. Todos eles são escola para mim. Salinhas de aula que me ensinam sempre. Professores eternos.

A vida é parque de diversões: com banquinha de cachorro-quente, casa de terror, carrossel, maçã do amor, casa de espelhos, carrinho bate-bate e montanha-russa.


O que importa, no entanto, é ser água. É buscar sempre novas formas, é absorver a vida em goles – ora rápidos e sedentos, ora longos e demorados. O que importa é deliciar-se com a vida – à sua maneira. O que importa é saber o que lhe importa. O que lhe enche o coração. O que lhe enfeita a alma. O que lhe faz sorrir genuinamente.