Saturday, January 06, 2007
[sobre a arte de recomeçar]
Este não se pretende ser um texto de auto-ajuda. Mas pode ser que acabe por se tornar um quando eu o terminar de escrever. Porque, queridos, no fim, somos nós quem nos ajudamos mesmo. Ajuda alguma que a vida nos dá, pode ser recebida sem que seja por nós permitida. Assim, toda ajuda termina por ser uma auto-ajuda.
E nós, nós somos artistas mestres. Somos criadores de obras-primas atemporais. Somos fazedores do tempo.
A cada novo passo, a cada nova escolha, a cada perda [pois são elas as maiores responsáveis pelas transformações que acontecem em nós], a cada aprendizado, a cada sonho realizado, nós, artistas, inventamos a arte de nos criar novamente.
Não falo aqui da metamorfose do fantástico Raul. Não acho que somos seres metamórficos. Embora sejamos ambulantes: peregrinos da estrada que aceitamos trilhar.
A metamorfose é instintiva, não é sentida ou pensada. A metamorfose se opera em nós, e não nós nela. É seguir pulando com cada nova multidão que aparecer.
Já o recomeço, o recomeço é uma atitude. É sentido, muitas vezes nos custa, é sofrido, pensado, refletido, requer garra, escolha, perseverança.
Somos nós que operamos, que entramos em ação, na hora em que decidimos recomeçar.
E, sim, somos vários ao longo da vida. Somos o vento a carregar as várias e diferentes partículas dos locais por onde passa, a levar em si um pouco de tudo o que tocou.
Somos o vento que ora é dança, ora é briga, ora é desastre, ora é brisa, ora é frio, ora é leveza, ora é horror. Somos o vento que muda de acordo com o tempo que vive.
E, quase que sem escolha, se nossa escolha é interagir com a vida, seguimos recomeçando.
E não recomeçamos porque o presente é ruim. Recomeçamos porque sentimos a necessidade de fazê-lo.
Podemos passar anos a fio na mesma situação que nos comprime, magoa, castra, entristece, cala, sufoca e não nos permitirmos recomeçar. Porque somos seres bonitos: às vezes achamos que só merecemos aquilo, que só aquela realidade nos é permitida. Ou porque estamos assustados: até que ponto é bom o desconhecido?
Recomeçar significa abandonar quem se era e vestir-se de um novo eu.
Significa lutar por novos sonhos [é impossível ao que não tem sonhos recomeçar].
Mas aos que conseguem ou se permitem interagir com a vida, chega um dia em que falamos para dentro: basta.
E ao sentir isso, já recomeçamos.
E ao que se permite recomeçar, vai um aviso: sempre serão necessários novos recomeços.
Não recomeçamos porque perdemos, recomeçamos porque crescemos. Porque a linha de chegada está agora em outro lugar.
Recomeçamos porque somos artistas: e artistas têm sempre que criar novas obras.
Recomeçamos porque, para estar ao lado de quem amamos, precisamos sempre nos adaptar uns aos outros: afinal, todos recomeçam de novo e de novo e ninguém recomeça sem estar de mãos dadas com os sonhos que lhe enfeitam o travesseiro.
Recomeçar é colocar a caneta na mão e iniciar a escrever uma nova história.
Recomeçar é perceber que a única coisa que a última história ainda precisa, é do ponto final.
imagem retirada daqui
e a do post anterior, cujo crédito eu esqueci de colocar, é de autoria do meu querido mestre, o cartunista argentino Quino, criador da Mafalda
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5 comments:
Muito Legal o texto Lana!
Tava precisando. eheheh
beijos
Aquela frase:Eu atravessei a rua e pensei que já tinha feito tudo é tua?Perfeita!Tô te copiando mas é uma frase de dimensão absurda.Nunca tinha reparado nelas nos e-mails.
é minha sim :P
e nunca ninguém percebe mesmo não.
[ou se percebem nunca me falaram]
me divirto horrores com isso, porque eu também a acho profunda.
a escrevi com um significado que quer dizer muito para mim, pelo menos
[que eu acho que vc percebeu, meu amigo. pra variar] ;]
recomeçar é um ritual necessário.
suas palavras encantam... beijos linda.
Gostei muito deste texto. Principalmente do trecho "Recomeçar é perceber que a única coisa que a última história ainda precisa, é do ponto final.".
Parabéns pelo belo texto !
Cheguei aqui por indicação de um amigo e gostei muito.
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