Eu nasci às dez horas da manhã. Não tinha pressa de nascer, fiquei dentro da barriga da minha mãe o mais que pude. Tenho certeza de que, boa canceriana que sou, estava bem confortável em lugar tão quentinho e seguro.
Quando vi que havia chegado a hora, no entanto, também não me delonguei em ficar: nasci “em um cuspe” – como diria anos mais tarde minha querida avó. O que quer dizer, como minha mãe sempre fala – como um elogio a mim – que não dei trabalho para nascer ou lhe causei dores adicionais.
Abracei a idéia de respirar ar, assim como abraçava a idéia do líquido quentinho da barriga.
Porque tudo tem o seu tempo – a hora de chegar, a hora de ficar, a hora de sair.
A existência requer que o ser que nela existe, a abrace.
E assim tenho procurado existir. Sonhadora, Sonhadora: irremediável Sonhadora – dizem as vozes ao meu redor. Em tons que se dividem entre admiração e crítica.
Mas tudo bem. Chega a hora em que nos conhecemos o suficiente para respeitarmos quem somos. Para deixarmos de dar explicações ou justificativas por nos sentirmos como nos sentimos.
O que envolve também nossa noção do amor. A minha noção do amor.
Eu acredito nele. Fervorosamente.
E confesso não querer nada menos que isso.
Talvez seja verdade: talvez saber o que se quer é na realidade uma fatalidade: porque se se sabe o formato do seu sorriso – então, nenhum outro que não seja esse o trará ao seu rosto.
No entanto, existem tantos outros formatos, tantos outros sorrisos que não o do amor.
Me concentro nesses, por esses tempos.
Ocupo-me com o futuro que quero plantado. Com o hoje que tem sido tão árduo, tão cheio de atributos e necessidades de superação.
Cultivo as sementes que quero colher em um futuro próximo.
Dou à mente ocupação enquanto o coração consola-se por esperar. É paciente, ele. Sempre o foi. Teima em acreditar que será novamente habitado. Que terá ainda um dono. Não me oponho a ele. Acreditar é a chave de tudo. Se não se tem o sonho, tem-se pelo menos o sonhar.
E ele sabe disso. E sabe que eu o respeito. E sabe que somos, nós dois, os culpados: não queremos nada menos que isso. O mundo é escasso de opções para os exigentes.
No entanto, são ainda nossas exigências que nos formam. Que desenham a cor que nos pinta. Que sonham nossos sonhos.
Eu, Lana Nóbrega, sou apaixonada pelo sonhar.
Casei com ele ainda muito nova – como uma noiva prometida.
Rubem Alves recitou em meus sonhos o que lhe havia lido:
A poesia nasce do desejo de comunicar aos outros uma visão de beleza. Mas a experiência da beleza é coisa íntima, para ela não há palavras. “O que sinto”, dizia Fernando Pessoa, “na verdadeira substância com que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é”. *
Eu sou um ser estranho – direi a quem quiser ouvir.
Porque quem vive de metáforas é, no mínimo, estranho.
Mas minha estranheza é fiel e ama – ama imensamente.
E é nesse amor que escuto o badalar de certas certezas: de que um amanhã bonito me espera. Da hora da colheita. De sonhos que serão renovados. De que sorrisos virão na forma certa: cheios de certeza e força.
O amanhã é sempre lindo. Porque nele há luz.
Porque é por conta dele que o hoje vale a pena.
E é pelo amanhã que eu repito a mim mesma: Tudo isso passará. Tudo isso passará.
E uma canção bela me enche os ouvidos: como uma oração.
~~
Do livro ‘As Cores do Crepúsculo’, p. 28.
Saturday, August 04, 2007
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3 comments:
Que texto lindo, Laninha!
bjs
Também demorei a nascer, também como um "cuspe", será que é mérito de canceriana???
Amei o texto
Bjo
Como ninguém
Não sou canceriana, quis nascer rápido e depois mudei de idéia me agarrando no ventre da minha mãe, dei trabalho ao nascer. Piorou depois de nascer.
Ongreçado, é que apesar de inícios totalmente opostos, vivências diferentes, acreditamos no mesmo fim.
Beijos muitos!
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