Friday, October 06, 2006


[arrumação]

A vida é formada de oi's e tchau's. De encontros e despedidas.

E tudo o mais que vivemos são formas de lidarmos com isso.

Nos vemos, pobres coitados pequenos que somos nós, tendo que sempre nos superar: superar uma dor, superar uma saudade, superar o tempo que não pára nem nos deixa parar.

Vivemos em constante arrumação.

Uma reforma eterna acontece dentro de nós.

E nos parece que cada espaço tem em si um tempo e tudo o que pertenceu àquele tempo.

E temos que ser esse super-faxineiro, que separa todas as coisas boas que não mais existem em um cantinho de saudade que será revisitado sempre que precisarmos de um sorriso certo.

Porque é isso, sabe?
Um sorriso que está no passado é um sorriso certo.
Um sorriso que teremos para sempre dentro de nós.

É claro que nem sempre essa arrumação é justa conosco: às vezes algo nos acontece e ficamos com uma vontade de correr para aquele canto e falar o que nos aconteceu, de ouvir aquela voz, aquela gargalhada, de receber aquele abraço, aquele olhar.

Mas aquela parte ali já foi removida, já pertence a outro espaço, já ficou no cantinho da saudade. E dói termos que nos acostumar com isso. Termos que nos lembrar constantemente que precisamos fazer essa arrumação sempre, que sempre que tudo aquilo nos aparecer, termos que ir lá no cantinho da saudade e depositar lá o que sentimos.

É uma arrumação dolorosa, essa. Leva dias, meses, anos. Leva tempo.

E aí chega um dia em que olhamos ao nosso redor e não precisamos mais arrumar tanto: tudo está no lugar em que deveria.

Quando esse dia chega, essa arrumação nos ajuda: sabemos o caminho que devemos trilhar para revisitar o nosso cantinho de saudade.

Lá, guardamos tudo de bom. Lá, só coisas boas são permitidas. Lá estão o sorriso bonito, os momentos de carinho, os momentos bons que nos são como fotos mentais, os abraços, os beijos, as palavras, a força que outrora recebemos [e que, veja só, ainda continua conosco, ainda funciona].

Nenhuma despedida é fácil.
Nenhum adeus é completamente justo.

E aos que ficam, uma nova vida é dada sem que seja nossa escolha. E uma arrumação nos é imposta para que continuemos. E nos é exigido que coloquemos antigas fotos em caixas, que separemos as lembranças que nos serão ainda constantes, das que não queremos sempre por perto. E temos que lidar com o que fizemos e com o que deixamos de fazer. Com nossos erros e com nossos acertos: porque o pior de uma despedida é isso: se não podemos mais errar, também não podemos continuar a tentar acertar. E nos vemos tendo que lidar com toda a ausência, com toda a falta: podemos ver [poderemos ver sempre], mas não podemos tocar.

Mas, quando estamos prontos, colocamos então essa auto-armadura: de espanador na mão, partimos para a arrumação que sabemos necessária.

E nos falamos [olha como somos lindos por cuidarmos de nós mesmos] que está na hora de continuar, que devemos seguir adiante sem aquela parte que tivemos que colocar no cantinho da saudade.

E vamos dormir nesse dia resolutos: vemos com clareza que somos pequenos, que não podemos tudo, que o adeus não nos pede permissão, que fizemos sempre o melhor que pudemos, que aquela pessoa que um dia era nosso oi, continuará sempre a ser: um oi que agora é nosso por completo, e que nos vem na hora em que quisermos, na lembrança em que escolhermos ir buscar no nosso cantinho de saudades.

E essa é uma descoberta feliz.
É um entendimento acalentador a respeito da vida e dos seus oi's e tchau's.

Nesse dia, vamos dormir conscientes de que somos apenas faxineiros.
Nada mais.


3 comments:

Anonymous said...

Será que tem como contratar uma faxineira pra fazer essa arrumação.Por aqui tá tudo espalhado ainda e não ando dando conta de arrumar...rs.

LINDO TEXTO LANITA...Sensível e talentosa,como sempre!

Luiza Holanda said...

eu digo que fico.
e é pra sempre.

nos erros e nos acertos.
justo, não? ;)

meu lucro nessa história é certo.
ah se todos soubessem do luxo disso aqui... ;)

e essa vida ainda me mata. :P
mas tô me grilando não. afinal, me desejaram sorte e parece que isso eu tenho.

amo tú.

Anonymous said...

preciso pedir desculpas a mim mesma por nunca mais ter vindo aqui.

ando com tão pouco tempo pra ler meus livros... e isso aqui - teu blog - é uma extensão do que eu amo ler diariamente.

preciso de tempo, só isso. ainda bem que tu continua escrevendo lindo, pro deleite de quem passa. :)

beijos, lana querida!