Monday, October 16, 2006



[filosofia]

Diz uma frase de Sartre que existir é beber-se a si próprio sem sede. E é engraçado como a vida passa nossa existência inteira esperando que nossa ficha caia em relação a isso. Cá passamos nós, cada um, nove meses em um mundo submerso, sendo formados, camadas e camadas de células sendo criadas para que nos transformemos, ao final, numa vasilhazinha que chamamos de ser humano. Daí, depois desses nove meses absorvendo tudo sem ter a escolha de sair dali se estivermos incomodados, quando pensamos que estávamos seguros e bem acomodados, vem aquele empurrão e lá vamos nós rumo ao desconhecido. E, apesar de aprendermos depois que tudo o que vivemos durante aquele período submerso vai nos acompanhar pelo resto da vida, não lembramos de nada do que experimentamos durante o casulo não: só sabemos que viramos borboletas.

Nos anos que se seguem, coitados de nós, tudo é necessário ser aprendido. Passamos tempos e tempos deitados em nossos berços olhando para nossos dedos, para nossos pés, para qualquer coisinha colorida que colocam na nossa frente. Um espelho? Nossa, horas vão embora com a gente inebriado com aquela imagem que se mexe junto com a gente. Aí, percebemos que o povo fala. Que tudo tem um nome. Que o povo anda. Que andar leva a gente para outro lugar. E lá vamos nós, embarcar nessa aventura de fazer o que outro faz. Naquela velha história de sempre: se ele(a) consegue, eu também consigo. Aí, ótimo, alguns anos se passam: já sabemos um monte de coisas, pensamos.

Tsc tsc tsc. Não basta aprender a falar não. Tem que aprender a escrever. Tem que ir pensando no que vai ser quando crescer. E não vale a resposta: vou ser grande, ué!Porque, depois aprendemos, ninguém nunca é grande, ninguém nunca está totalmente pronto, completamente formado. Aí começamos com as especulações, geralmente junto com as bonecas, com os carrinhos e o pega-pega: vou ser aeromoça, veterinária, médica, piloto de avião, piloto de fórmula um, astronauta, cientista, vou ser igual ao meu pai!

E o tempo passa e percebemos a grande função dos sonhos: fazer com que alcancemos coisas que não alcançaríamos se não tivéssemos sonhado. E percebemos que a vida brinca de amarelinha conosco o tempo inteiro: às vezes estamos no céu, às vezes naquela outra extremidade. E aprendemos, com o passar do tempo, o que nos faz sorrir, o que nos faz chorar, o que nos deixa triste, o que nos deixa com raiva, o que nos cansa... Aprendemos a abrir mão de uns sonhos, para poder ter outros. Aprendemos a aprender com nossos erros.

Quando temos sorte, temos a iluminação de tirar uma conclusão essencial sobre a vida: ela é um conjunto de experiências. E nós estamos aqui para experimentá-la mesmo. Para aprender sempre. Para descobrir caminhos. Para saber voltar atrás. Para tirar conclusões e saber que, mesmo essas conclusões, podem ser mutáveis. Estamos aqui para entender que sempre podemos nos descobrir certos, e sempre podemos nos descobrir errados. Estamos aqui para tentar entender os vários por quês que nos aparecem. Estamos aqui para saber a hora dedesencanar, de deixar ir, de parar de se preocupar. Aprendemos então que nem tudo depende de nós. Que somos pequenos. E que, às vezes, temos a oportunidade de sermos grandes, de tocarmos outras vidas, de darmos as mãos.

Percebemos que passamos a vida toda nos educando. Construindo e desconstruindo o que sabemos. E nossas experiências são tudo. O ficar parado e o agir, o falar e o calar, o andar e o sentar, o entender e o não-entender, o chorar e o sorrir, o dar a mão e o não-dar, o desculpar e o não-desculpar, o tentar e o não-tentar. Não se vive sem ter experiências. Experiências são como escolhas: o próprio fato de não fazer uma escolha, já é uma escolha.

E nossas experiências nos fazem aprender o que é apropriado e o que não é, quando devemos seguir as regras do mundo social e quando não devemos. Nos fazem ser, a cada dia, um pouco mais sábios. Mas, mais que tudo, a grande função desse nosso viver constante é, a meu ver, aprendermos o tipo de fidelidade mais importante e imprescindível que existe: a sermos fiéis a nós mesmos.

5 comments:

Anonymous said...

Eu concordo com tudo escrito por ti mas o que Satre disse acho um erro.Não acredito nisso e nem acho que tu ,pelo seu texto,acredite.É muito bom se conhecer,viver e interagir com as pessoas que você reconhece como especiais e te reconhecem como um igual.Isso é uma parte maravilhosa do viver e por isso acho essa expressão um erro e talvez eu esteja sendo um pouco rude e levando isso ao pé da letra.E eu sei que desistimos de um sonho pra alcançar outro,mas com isso eu não consegui me conformar ainda.Existir,ÁS VEZES,é beber a si próprio sem sede.

Anonymous said...

Lana eu não quis parecer radical ou revoltado,mas o que acontece é que tu sabe como eu acho maravilhoso ouvir um cd e assistir um filme,pra mim é como se fosse um grande evento.E realmente eu tenho algo muito grande de uma pequena coisa.Coitado desse homem se ele dissesse isso na minha frente.

Anonymous said...

Lana eu não quis parecer radical ou revoltado,mas o que acontece é que tu sabe como eu acho maravilhoso ouvir um cd e assistir um filme,pra mim é como se fosse um grande evento.E realmente eu tenho algo muito grande de uma pequena coisa.Coitado desse homem se ele dissesse isso na minha frente.

Anonymous said...

Corrigindo,eu estou fazendo algo muito grande de uma coisa pequena.

izzolda said...

Ai, as escolhas....tenho de fazer uma importante em breve e gostei muito deste texto. É isso mesmo, sermos fiéis a nós próprios é o que nos permite fazer escolhas em consciência plena :)