Tuesday, October 03, 2006



[morte]

Eu sempre achei que ia morrer bem jovem. Aquele típico sentimento dramático-adolescente aonde a gente se imagina tragicamente arrancado de nossa breve existência na terra, deixando para trás uma legião de pessoas chocadas com tão prematura partida.

Algo do tipo, sabe?

Eu tinha isso como certeza. Talvez por isso eu tenha sido uma jovem sempre tão boa em ser certinha.

Hoje em dia, passado o prazo de validade e eu ainda continuar por aqui, penso exatamente o contrário.

Acho que vou morrer bem, bem velhinha.

Aquela velhinha grande, ainda desastrada, que fica feliz com os beijos recebidos, que aceita de bom grado os cafunés dados, que adora agarrar todo mundo, apertar bochechas, dar abraços longos, rir das brincadeiras das crianças, que tem um livro grande de receitas, que senta no canto de um sofá e fica só admirando aquela vida toda acontecendo ao seu redor. Serei uma velhinha que conta histórias, que diz "na minha época..." [porque não tem nem graça ser velhinha e não dizer isso], que carregará um pouco de mágoas de algumas coisas da vida que não pôde ter, que não conseguiu mudar ou concretizar, mas que terá muitas coisas boas também a dizer sobre a vida, porque a vida tem sim seu sentido e inteligência. Adorarei escutar os jovens, que me parecerão tão sábios e energizantes, sentirei dor pelo aprendizado que saberei que todos os mais jovens que eu ainda passarão, mas terei a sabedoria para entender que tudo o que nos acontece nos molda, nos faz crescer.

E, se acontecer de não ter tido filhos, meus ou do coração, arranjarei netos-sobrinhos-adotados, ou não, ou ajuntarei gente por um motivo ou outro: porque só é bom com gente perto da gente. E, um belo dia, a vida virá me cutucar e dizer que já deu, que já sorri e chorei o suficiente, que já cuidei e fui cuidada o que era para ser, que já estava na hora de recomeçar. Aí eu viraria luz, e carregaria comigo tudo o de bom que eu vi e vivi, que eu senti e absorvi. Todas minhas boas memórias.

E, aqueles que me amaram mesmo, que souberam de mim, ficariam também com apenas o que de bom eu lhes dei.

Mas é claro, sabendo como a vida é brincalhona, ela pode inventar de me tirar assim de repente, em três ou dez, ou oito anos. Aí o povo fica tudo em polvorosa, chocado e pedindo para não pensarmos nisso, para não falarmos disso. Mas dá para entender esse medo todo sim, porque, venhamos e convenhamos, viver é bom e a morte é só uma outra opção mais funesta.

Ainda assim, já que entrei no tópico, deixa eu dizer logo: quero morrer velhinha sim, porque ainda há muito o que eu ver e viver e sentir e chorar e sorrir e aprender, mas, se acontecer da vida me colocar um fim neste começo, e me mandar começar outro começo, é bom dizer que vou feliz: que não gostaria de ir cedo não, mas que vejo sentido em cada um de nós termos aqui apenas o tempo que cada um de nós devemos ter.

E, dito essa coisa incoveniente, deixa eu sair desse assunto que é grande o número que não se agrada com ele.

E para melhorar os ares: aposto no lance de ser velhinha, porque a vida e eu conversamos um bocado e ela gosta de quem lhe puxa o saco [dica valiosa essa, viu?].

O fato é que, de um jeito ou de outro, a morte sempre faz a gente pensar. Ela é como uma resolução de Ano Novo. Se quase morri, mas não morri, reavalio tudo e mudo meu estilo de vida por completo, e passo a dar valor à vida como nunca antes. Se morreu alguém perto de mim, sinto a morte à espreita, me assusto com ela e também começo a pensar sobre a vida.

Engraçado como a morte nos faz pensar sobre a vida.

Mas é lógico isso também: o claro nos faz pensar sobre o escuro, a sede nos faz pensar sobre a água, o calor nos faz pensar no vento.

Somos uns safados nós, não é? Somos todos uns safados.

Mas vá lá: eu sei que na maioria das vezes não dá para tratar a morte com bom-humor: ela deixa saudades. Saudades que sabemos que, em vida pelo menos, nunca serão saciadas. E não há nada de bom nisso. E dói. Dói muito.

Dói uma dor que só o tempo, com seu jeitinho brasileiro, consegue um jeito de nos disfarçar: ele cria um monte de coisas para a gente pensar e nos arranja outras dores e outros sorrisos para não pensarmos mais nos que pertenceram ao outro tempo.

E termina que hábito é assim: quando a gente percebe, ele já chegou faz tempo.




2 comments:

Luiza Holanda said...

vô nem mentir que todo o miado do gato esquecido aqui da frente me faz lembrar do meu vizinho...

e eu SEI que meus dias estão contados, moça. hehehe.

já te falei que vãoo ficar as três na cadeira de balanço lembrando da doida que gostava de heineken e que prometia mandar uma certa receita enunca o fez. :P

beijo.
te amo, velha entusiasta.

Anonymous said...

penso que quando meus queridos começarem a partir...será sinal de que a "festa" vai estar no fim...para então, começar noutro lugar.
beijos lindona.