Wednesday, September 27, 2006


[le tutu]





Depois que nos tacam no corpo, na cara, no cérebro a alcunha de adultos, a gente aprende que aquela verdadezinha que nos pregam quando somos crianças não é bem lá verdade: dinheiro traz sim felicidade.

A única cláusula a ser levada em conta é a mesma que para todas as outras coisas: traz felicidade quando sabe ser usado, quando sabe-se de seu valor, quando está aliado a alguma moral e sabedoria.

Mas Le Tutu é uma delícia: ele bota você em um avião; ele te ajuda, a cada mês, a chegar mais perto do teu diploma; ele é uma preocupação a menos no caso de uma doença entrar em sua casa sem avisar; ele te desenha um teto, com chão e móveis; ele te faz dizer sim na hora certa para aquele(a) com quem você espera passar o resto da vida juntinho; ele é conforto na velhice; ele é diversão na juventude; é meio para a realização de sonhos.

Le Tutu veste várias camisas: e se fantasia de câmera digital, da sonhada guitarra, do mp3, do carro na garagem, do computador que precisa parar de travar, do ventilador que mata o calor, da comida que enche a barriga, da cerveja que ri com os amigos, do monitor plano com que todos sonham, do dvd que se quer na estante, do interruptor que traz a luz, da passagem de avião, da língua nova que precisa ser aprendida, do restaurante de quinta a noite, do cinema de sexta-feira, da praia do domingo, do presente do aniversário da amiga, da roupa da vitrine, da descarga no banheiro, do filho que quer chegar, da tosa do cachorro, da ração do gato, da pousada das férias, do corte de cabelo, do remédio da pressão, do sorvete numa tarde quente, da tv com muitos canais.

Le Tutu caminha junto com as escolhas que a vida moderna oferece. Se pode tudo, desde que se tenha dinheiro para tudo.

Poderoso Chefão, Le Tutu.

A coitada da não-mais-tão-classe-média, tenta pôr rédia no Le Tutu: e é como se tem dito: sobra mês no fim do dinheiro. Então, bons brasileiros que somos, encontramos nossos jeitinhos, e brincamos um eterno carnaval com Le Tutu: às vezes nos sai uma ressaca, mas vá lá.

Então Le Tutu finge que aceita malabarismo e nos vestimos de circo a cada dia. Esse fim de semana fazemos isso, no próximo não podemos fazer aquilo. Esse mês não podemos gastar com aquilo porque no mês passado já gastamos com isso.

Vez por outra deixamos o circo se vestir de fantasia e nos fingimos de abonados: e passamos algum tempo pagando o mínimo do cartão [que é o cafetão do Le Tutu].

Mas em geral assumimos nossa alcunha de subservientes de Le Tutu: só fazemos o que ele deixa mesmo.
E passamos às vezes a noite sendo infiéis por pensamento: ah, se eu ganhasse na loteria...

O grande gancho de Le Tutu, a razão pela qual continuamos a aceitar seu monopólio, é que o danado é bonito e sabe ser bom: Le Tutu faz coisas bonitas acontecerem para aqueles que lhe tratam bem.

É bem verdade que há tempos que o malabarismo engata a primeira e sai em disparada sem querer parar: são tempos em que dores de cabeça são constantes: a visão das coisas passando rápidas e incessantes traz embrulho no estômago e caos e desespero.

Mas somos fortes e chega o dia que a fase cruel do Le Tutu passa e voltamos a brincar de equilibristas equilibrados.

Na verdade, no fundo, no fundo Le Tutu sabe: é mafioso sim e deveria dar uma medalha a todos os que agüentam suas imposições sem cair e sujar a mão.


2 comments:

Luiza Holanda said...

o tutu não é meu amigo. a nossa relação é muito louca.

queria um acordo de paz. já tentamos selar um várias vezes. mas é só tê-lo ali, disponível, que caio em tentação outra vez.

assim, continuo sonhando com a loteira.
e claro, esquecendo sempre de apostar.

LANA NOBREGA said...

Hahaha!

coisa linda, tu, Lu! :*