Sunday, April 22, 2007

[um texto bonito]

Na verdade a beleza é um sorriso.

Você vê o que lhe é belo e pronto: você simplesmente sorri.

Mas o que é um texto bonito?

As imagens que vamos formando, imaginando, à medida que lemos o texto?

O sentimento que o texto desperta em nós?

Acho que todas as anteriores. A depender do momento, do texto ou do espírito.

O que sei é que precisamos de um texto bonito. Precisamos alimentar o que há de belo. Precisamos estimular o que sentimos que é bom, o que nos faz sonhar, o que nos faz ver tudo um pouco mais colorido.

Um texto bonito nos traz leveza, nos faz terminar a leitura com um sussurrante “é verdade...!”.

Quase como uma confissão a si mesmo. Quase como a mensagem de anjo que nos foi enviada para que ainda acreditássemos em algo.

E não somos nós que encontramos um texto bonito.

É ele que nos acha.

Chega às nossas mãos ou vem à nossa mente no momento da precisão.

E a verdade é que necessitamos do texto bonito.

Que traga à tona boas lembranças, que abrace nossos sonhos, que endosse nossas esperanças.

No entanto, creio eu, não é o autor quem faz o texto bonito. Ou se o faz, faz para si – porque é, também, leitor.

E é o leitor quem faz o texto bonito. É o leitor quem vê o que de belo há ali. É o leitor quem confessa para si: “é exatamente isso que eu sinto. Que eu precisava ouvir. Perfeito isso!”.

Perfeito sim. Porque na verdade só nós somos capazes de reconhecer as peças que nos faltam.

E um texto bonito é isso. Um pedacinho seu que estava perdido por aí e que você, de repente, achou.


- Para o meu amigo Bal.

Tuesday, April 03, 2007

[um post triste]

É que no mundo tudo precisa ser anunciado. Tudo há que ter uma razão de ser, uma explicação, um por quê. Tudo há que ser aparente.

Lembro-me da frase de Exupéry: “o essencial é invisível aos olhos”.

Mas confesso que acho a frase extremista demais: há tanto que é essencial e que é, no entanto, tão visível.

Mas o que dizer da dor? Parece-me que temos que mostrar o gesso do braço; a ferida aberta na perna; os pontos que costuram o pé.

[para que serve, senão, o atestado do médico?]

A dor, por si só, essa não causa sensibilidade.

É a velha história da pedra no sapato do outro...

E é também como a dor de um coração partido. Parece-me que a dor de uma perda, sem ser por morte sofrida ou súbita, não causa lá tanta compaixão...

Quem há de mensurar a dor do outro?

A pedra que lateja no sapato que não sai do pé?

Este é um post triste. Porque a tristeza é parte de tudo. Emenda as peças do quebra-cabeça; agita os pensamentos; torna consciente o que incomoda.

A tristeza faz a dor aparente.

A tristeza comunica.

Confesso que posso dizer que tenho alguma – ainda que pouca – autoridade em dor. Qualquer pessoa que já teve operado um osso do seu corpo pode dizer com propriedade que já sentiu dor. Uma dor aguda e indizível, que te faz querer deixar de existir, desaparecer do mundo que permite tal presença.

[e aqui falo de um dedo, imaginem]

A dor que sinto hoje, perto da dor que já senti um dia, essa dor é quase nada. É um restinho de terra, uma sombra do que já existiu.

Para ser ridícula: é um punhado de grãos na imensidão da areia da praia.

E há que vir o mar já já e levar esses grãos embora.

Porque na verdade a dor faz com que percebamos o que sequer sabíamos que existia.

A dor anuncia a falta da não-dor.

É uma saudade.

No fundo é só isso.

Saudade do tempo em que não doía.