Friday, November 30, 2007

[hoje é dia de poesia]

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Existir-se
lana nóbrega


Os passos
Que dão meus sapatos
Passados
No alho e no pão

Os passos
Que repassados
Ensinam a luz
Que cega a escuridão

Os passos
Que ainda não vieram
Que ainda não disseram
Seu sim e seu não

Os passos
Desses meus sapatos
Que andam em linha reta
Em curva e contramão

Os passos que passeiam à toa
Feito uma garoa
Seja ruim ou boa
A molhar o chão

Os passos
Que fazem o caminho
Desse desalinho
Que por fim costuram
Toda a imensidão.



30/11/2007



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Tuesday, November 20, 2007

[o clube dos conceituadores]

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[o coração]
lana nóbrega


Discutiam em conceituar as palavras. Em dizer o que era o que. Em explicar tim tim por tim tim todos os nomes que o homem tinha inventado.

Porque todos os nomes podem ser qualquer coisa.

A cadelinha da pequenina era Pipoca. O apelido da namorada era Bebê. O nome do bairro violento era Paraíso.

E, nas conversas, brincavam de dizer tudo o que podia ser cada palavra.

Porque o contexto explica tudo.

O contexto é sempre benevolente com seus fatos. E, nele, tudo cabe.

Foi então que chegaram ao coração.

Músculo involuntário que bate no peito! – gritou o mais tradicional.

Caixinha de guardar bem-querer! – falou a mais romântica.

Pulmão da alma! – disse o filósofo.

Tinta do livro da vida! – recitou o poeta.

Fonte de desilusões! – murmurou o rancoroso.

Inimigo da razão! – bradou o racional.

Um vazio! – disse o desiludido.

Baú de memórias! – concluiu o velho.

Receptáculo de amor! – versou o enamorado.

A criancinha, que olhava atenta para a brincadeira, disse toda resoluta:

Um sorriso!

Todos olharam para ela e acharam engraçado.

O filósofo, interessado em tal reflexão, perguntou por que.
A criança respondeu:

Porque sempre que a gente vê ou se lembra de alguém ou de alguma coisa que a gente carrega no coração, a gente sorri!

E foi nesse dia que o Clube dos Conceituadores achou o perfeito conceito para o coração.











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Monday, November 19, 2007

[volta]


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que sempre é um sorriso quando conseguimos achar o caminho de volta

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[TODOS OS NOMES]
lana nóbrega



Todos os nomes
Balbuciam em nossos rostos
E sons não são necessários

Entre adeuses
E boas sortes

Entre lágrimas
E separações

Entre uma mão e outra
Está um corpo

Um corpo só
Que condensa em si
Todos os outros

Porque a existência
Perpassa a todos
Os que respiram

E se comunicar
É nascer

Por isso existimos aos pedaços
Fragmentos que moram em todos

Por isso somos todos quebra-cabeças
Divididos em nossas pecinhas

Por isso estamos sempre a buscar
Esses pedaços que ainda não achamos.


19/11/2007











[RODARÃO]
lana nóbrega


A roda é uma mentira.

Numa roda não há atrito
A vida só se transforma pelo atrito
A vida só existe do atrito
É essa condição que cabe ao tempo
O tempo é formador de atritos
Porque é o atrito que transforma
E a transformação é ação do tempo

Então a roda é uma mentira.

Invenção do homem.

Porque mesmo o quadrado,
Que, rodando, se transforma em roda
Quando vira roda já não tem mais graça.

O que esperar da roda?

Ela só roda.

A roda é uma mentira.
Invenção do homem.

A roda não existe.

19/11/2007


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nele há uma beleza que o tempo enfeita.


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Tuesday, September 11, 2007

[meus homens]

São três os homens que habitam minha cabeça: longos e teimosos como todos os homens deveriam ser.

Meus três fios de cabelos brancos. ***

Eles são discretos, no entanto. Como todo homem que eu admiro.
Sabem que estão ali e isso é o que importa.

Não chegaram aos poucos. Anunciaram de vez sua chegada.
Com a fortaleza e a firmeza de homem raro.

Não vieram cinza. Não, não.
Sua branquidão ilumina os outros ao seu redor: iguais, normais, formais, ordinários.

Eles não. Meus três homens agarram-me com força. Brincam de quando comigo.
Eles anunciam, como homem ideal, sua liderança: Minha filha, vês?

Vejo, vejo.
Por seus olhos, seis olhos, vejo muito.

Tirar-lhes de minha cabeça?
Arrancar-lhes de meus pensamentos?

Qual!

Sua presença é eterna.
O que eles anunciam, abraça o tempo.
O que eles acompanham, escreve os dias.

Meus três homens lindos.

Chegaram com a coragem de quem rompe barreiras.
De quem quebra silêncio.
De quem chega com certeza.

Sou eu, dona flor, com três maridos companheiros de todos os momentos.
Em nossos banhos, lavo-lhes com prazer servil.
Cuido de sua beleza, pois a beleza deles é também minha: como todo amor deve ser.

Meus três homens dormem comigo. Dividem o travesseiro.

Acariciam-me a testa.

Gemem quando eu também o faço.

Cantam parabéns para mim, orgulhosos.

E, quando me canso deles, eles se erguem com fúria masculina: exigem: esbravejam: seguram minhas mãos com força e me fazem ver que lhes preciso.

Meus homens agarram-me sem vontade de me soltar.
Eu deixo-me agarrar sem vontade de ser solta.

E o tempo permanece em nós.



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*** Trecho adicionado para melhor entendimento dos meus dois leitores! :P

Sunday, September 09, 2007

[como vai você?] *

Às vezes as pessoas vêm lhe falar entre cochichos e assobios sobre mudanças, sobre as efemeridades da vida e sobre como tudo o que lhe acontece é realmente para o seu bem, para o seu aprendizado: experiências que lhe acontecem porque, basicamente, têm de lhe acontecer: pois pressupõem a transformação de quem você um dia foi em quem você hoje é, ou no futuro será.

Eu sei porque eu sou uma das que vive dizendo isso.

É nisso que acredito e é assim que justifico muitas, senão todas, das coisas que me acontecem.

O hoje se entrelaça ao amanhã em uma mesma malha temporal – em um significado contínuo que não apenas lhe significa, mas à sua existência.

E tudo o que lhe parece fragmentado e sem sentido e talvez até doído em demasiado na verdade realmente o é: mas o que falta se dizer é que cada fragmento é parte de um todo: e todo momento de dor constitui um sorriso futuro: mesmo que esse sorriso seja a cura dessa dor.

É como um calo que se forma no pé: ele lhe aparece latejante, incômodo, incansável em sua tarefa de lhe machucar. E lhe é impossível esquecer-se dele. Ele está ali: em carne viva, presente.

E não há band-aid que consiga isolar aquela dor de você.

E você segue convivendo com aquela dor da melhor forma que pode. Caminhando, mesmo que cada passo lhe machuque e lhe seja doído.

Até que um dia, sem que você sequer perceba, sem que você racionalize, sem que você até se lembre de procurar a caixa de band-aids, você calça seus sapatos apressada, e já bem longe no caminho percebe: o calo não lhe dói mais.

Porque assim é a dor: ela anuncia os gritos sua chegada, mas não lhe comunica sua saída.

Mas perceber que ela foi-se é talvez um dos atos humanos que mais englobem em si, o tempo.

O tempo que vem com a missão de nos fazer mais sábios, melhores companheiros de nós mesmos. O tempo que se intitula professor de qualquer um que se aceite como seu aluno.

Saber que passado, presente e futuro são constituídos da mesma massa temporal, é assumir-se ser contínuo, é entender que transformar-se é o primeiro e o último ato humano.


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Em duas palavras eu posso resumir tudo que aprendi sobre a vida: ela continua.

ROBERT LEE FROST

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* texto em homenagem à amiga do amigo.



Nova paixão idiomática minha



Thursday, August 30, 2007

[beijo]

Que às vezes a alma é beijada e a boca sorri para dentro.

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ESTA MENINA
TÃO PEQUENINA
QUER SER BAILARINA.
NÃO CONHECE NEM DÓ NEM RÉ
MAS SABE FICAR NA PONTA DO PÉ.
NÃO CONHECE NEM MI NEM FÁ,
MAS INCLINA O CORPO PARA CÁ E PARA LÁ.
NÃO CONHECE NEM LÁ NEM SI,
MAS FECHA OS OLHOS E SORRI.
RODA, RODA, RODA COM OS BRACINHOS NO AR
E NÃO FICA TONTA NEM SAI DO LUGAR.
PÕE NO CABELO UMA ESTRELA E UM VÉU
E DIZ QUE CAIU DO CÉU.
ESTA MENINA
TÃO PEQUENINA
QUER SER BAILARINA.
MAS DEPOIS ESQUECE TODAS AS DANÇAS,
E TAMBÉM QUER DORMIR COMO AS OUTRAS CRIANÇAS.


- cecília meireles –

Tuesday, August 28, 2007

[o visível e o invisível]


Eu tenho uma memória curtíssima. Às vezes até acho que é intencional. Lembro-me, para variar, da fala de um personagem de desenho animado: Ah, você me conhece, sou preguiçoso demais para carregar um rancor. Eu realmente não gosto de coisas pesadas. De pesado já basta o meu sempre fofinho corpo.

2007 será sempre para mim um ano de passagens. É como se este ano eu tivesse perdido a virgindade da alma.

Ainda faltam quatro meses para o final deste ano – mas dentro dele existiram tantos, tantos anos. Uma existência inteira.

Não há como eu jorrar aqui minhas transformações: elas não cabem nas palavras: só o sentir as comporta confortavelmente, expansivamente, fielmente.

No entanto, em meio a todo o caos, uma calma me possui.

Sinto-me igreja – templo de Deus. Solo sagrado. Dona de uma certeza que não posso tocar, mas que existe por todo o meu redor.

Sinto-me, ainda assim, profana. Mais humana do que nunca. Mais certa de meus erros do que nunca: se permitir errar é bom. Conforta. Lhe faz sorrir encabulada e faceira: da próxima vez acho que acerto, né?

O desespero não constrói. O desespero só desespera. Mas também ele é necessário, claro. Toda água muda de estado em altas temperaturas: e o que somos senão água? Matéria em movimento? Que evapora e condensa, evapora e condensa – mudando constantemente de estado? Tomando novas formas?

Tristes são as águas que congelam e não vão ao sol derreter-se.

Derreter-se é preciso. O estado líquido permite o movimento.

E acho que é isso: nunca fui tão líquida.

Talvez algumas coisas tenham sim perdido a aura de sagradas.

E isso causa alguma saudade. Algum pesar.

Como coisas que se tornaram menos belas, coisas que se parecem menos com um sonho bom.

Mas outras coisas são apenas ‘vinho transformado em cerveja’.

Que desceram do altar para vir pular junto com a multidão.

Os mais próximos talvez percebam pequenas mudanças. Alguns chamarão isso de amadurecimento. Outros chamarão de outras coisas – porque sempre buscamos nossas definições.

Não perca sua benevolência – disse-me uma pessoa querida.

A poliana em mim rebate: a vida é cheia de peripécias.

E eu acredito nela. Acreditarei sempre. Porque Chaplin é meu guru: o tempo é o melhor autor: sempre encontra um final perfeito. A questão é que a história não se escreve sozinha: nossos corações são canetas: nossos pensamentos, tinta: nossas atitudes, papel.

Em um mês, aproximadamente, enfrentarei, sozinha, meu monstro. Histórias tendem a se repetir. Saberei percorrer o labirinto? Acharei o meu amor? Encontrar-me-ei com reais 28 anos? Habitarei o meu castelo? Serei raciocínio lógico? Acharei entendimento para o meu sentir? São páginas que não existem ainda: e páginas não escritas são como folhas ao vento: voam em qualquer direção.

Mas carrego muitos comigo. Muitos, muitos. Um povoado conhecido e querido. Todos eles são escola para mim. Salinhas de aula que me ensinam sempre. Professores eternos.

A vida é parque de diversões: com banquinha de cachorro-quente, casa de terror, carrossel, maçã do amor, casa de espelhos, carrinho bate-bate e montanha-russa.


O que importa, no entanto, é ser água. É buscar sempre novas formas, é absorver a vida em goles – ora rápidos e sedentos, ora longos e demorados. O que importa é deliciar-se com a vida – à sua maneira. O que importa é saber o que lhe importa. O que lhe enche o coração. O que lhe enfeita a alma. O que lhe faz sorrir genuinamente.

Sunday, August 05, 2007

[o aval]

a.val
s. m. 1. Dir. Garantia plena e solidária, prestada por terceiro(s), a favor de obrigado por letra de câmbio, nota promissória, ou título semelhante, caso o emitente, sacador ou aceitante não o possa liquidar. 2. Fig. Apoio moral ou intelectual. Pl.: avales e avais.


Assim o dicionário o define. Embora eu realmente, mesmo tão facilmente crível, entenda que o adjetivo 'pleno' acima citado não lá exista com tanta facilidade...

Mas a questão a ser tratada neste texto é meramente a do último significado dado na explicação do dicionário: apoio moral ou intelectual.

O aval é algo importante: ele retira a totalidade da responsabilidade: ele divide: o aval é cúmplice. Eu, realmente, o busco sempre que possível. O aval é um aperto de mão, um abraço, um cafuné. O aval é uma concordância: uma amizade: um bem-querer: um entender: um aceitar.

O aval diz sem solenidades: pode seguir: vá em frente: faça sim.

Buscar o aval é não seguir sozinho. Buscar o aval é dizer: vem junto comigo, que é bom tê-lo ao meu lado.

O aval é sempre bom: quando é dado e quando é recebido. O aval é puro quando é verdadeiro: e tudo o que é verdadeiro é mais bonito - porque é o que é.

Eu amo o aval. O recito em minhas preces, o agradeço em meus carinhos, o clamo em minhas dores.

O aval é presença sempre querida. É sempre bem-vindo. Como um amigo do peito.

O aval deve vir junto de toda decisão importante [para que ela tenha o sabor de vários sorrisos ou de vários abraços] - mas também pode vir nas pequenas ações: pois é sempre um aconchego.

Sinônimo de companhia, o aval acalenta a alma. O aval aquece, se frio. Traz brisa, se abafado.

Ele olha nos olhos, parceiro, quando sério. Olha de canto, cúmplice, quando cotidiano.

O aval nos faz queridos: nos deixa ir em paz. O aval diz: se estiver errado, erraremos juntos: estou junto contigo.

E por isso é visita gostosa, se o recebemos. E presente sincero, se o damos.

Mas o aval tem uma exigência: ele requer intimidade, respeito. O aval é como um abraço ou um beijo: é estranho vindo de um estranho. O aval necessita de conhecimento para que traga conforto. É um abandonar-se, deixar-se julgar, esperar ser entendido. O aval beija a testa e abraça longamente. E é como uma música suave: traz paz - na proporção exata do tamanho do aval dado.

É como uma confissão escutada, sem penitência no seu final. O aval permite exatamente o que precisa ser permitido. É um colo. E a promessa de que tudo ficará bem no final.

Saturday, August 04, 2007

[Mrs. Dream]

Eu nasci às dez horas da manhã. Não tinha pressa de nascer, fiquei dentro da barriga da minha mãe o mais que pude. Tenho certeza de que, boa canceriana que sou, estava bem confortável em lugar tão quentinho e seguro.

Quando vi que havia chegado a hora, no entanto, também não me delonguei em ficar: nasci “em um cuspe” – como diria anos mais tarde minha querida avó. O que quer dizer, como minha mãe sempre fala – como um elogio a mim – que não dei trabalho para nascer ou lhe causei dores adicionais.

Abracei a idéia de respirar ar, assim como abraçava a idéia do líquido quentinho da barriga.

Porque tudo tem o seu tempo – a hora de chegar, a hora de ficar, a hora de sair.
A existência requer que o ser que nela existe, a abrace.

E assim tenho procurado existir. Sonhadora, Sonhadora: irremediável Sonhadora – dizem as vozes ao meu redor. Em tons que se dividem entre admiração e crítica.

Mas tudo bem. Chega a hora em que nos conhecemos o suficiente para respeitarmos quem somos. Para deixarmos de dar explicações ou justificativas por nos sentirmos como nos sentimos.

O que envolve também nossa noção do amor. A minha noção do amor.

Eu acredito nele. Fervorosamente.
E confesso não querer nada menos que isso.

Talvez seja verdade: talvez saber o que se quer é na realidade uma fatalidade: porque se se sabe o formato do seu sorriso – então, nenhum outro que não seja esse o trará ao seu rosto.

No entanto, existem tantos outros formatos, tantos outros sorrisos que não o do amor.
Me concentro nesses, por esses tempos.

Ocupo-me com o futuro que quero plantado. Com o hoje que tem sido tão árduo, tão cheio de atributos e necessidades de superação.
Cultivo as sementes que quero colher em um futuro próximo.
Dou à mente ocupação enquanto o coração consola-se por esperar. É paciente, ele. Sempre o foi. Teima em acreditar que será novamente habitado. Que terá ainda um dono. Não me oponho a ele. Acreditar é a chave de tudo. Se não se tem o sonho, tem-se pelo menos o sonhar.

E ele sabe disso. E sabe que eu o respeito. E sabe que somos, nós dois, os culpados: não queremos nada menos que isso. O mundo é escasso de opções para os exigentes.

No entanto, são ainda nossas exigências que nos formam. Que desenham a cor que nos pinta. Que sonham nossos sonhos.

Eu, Lana Nóbrega, sou apaixonada pelo sonhar.
Casei com ele ainda muito nova – como uma noiva prometida.

Rubem Alves recitou em meus sonhos o que lhe havia lido:

A poesia nasce do desejo de comunicar aos outros uma visão de beleza. Mas a experiência da beleza é coisa íntima, para ela não há palavras. “O que sinto”, dizia Fernando Pessoa, “na verdadeira substância com que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é”. *

Eu sou um ser estranho – direi a quem quiser ouvir.
Porque quem vive de metáforas é, no mínimo, estranho.
Mas minha estranheza é fiel e ama – ama imensamente.

E é nesse amor que escuto o badalar de certas certezas: de que um amanhã bonito me espera. Da hora da colheita. De sonhos que serão renovados. De que sorrisos virão na forma certa: cheios de certeza e força.

O amanhã é sempre lindo. Porque nele há luz.
Porque é por conta dele que o hoje vale a pena.

E é pelo amanhã que eu repito a mim mesma: Tudo isso passará. Tudo isso passará.

E uma canção bela me enche os ouvidos: como uma oração.



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Do livro ‘As Cores do Crepúsculo’, p. 28.

Thursday, August 02, 2007

[24hrs sem rir]

Foi necessário cortarem minha bochecha, colocarem alguns pontinhos e me darem a sentença: Pelo menos 24 hrs sem sorrir - para que eu percebesse que tenho a síndrome do Beavis and Butthead.

hêhêhêhêhêhêhêhêhêhêhêhêhêhêhê

Moral da história: Okay: eu sou besta pra rir como uma criança de 10 meses.

Help!

~~
E é ainda neste dia fatídico que eu acho em terrível qualidade mas-ainda-assim-incrivelmente-engraçado-e-nostálgico minhas queridas Cybill e Mary-Anne!!!








Monday, July 30, 2007

[o espaço]*

O espaço tem tantos significados quanto as significações a ele atribuídas. É um nome: e como qualquer nome, cabe a tudo desde que se desenhe nesse tudo, um contexto.

Espaço pode ser a distância que alguns têm entre os dois dentes da frente. Pode ser a medição que se dá entre a casa e a parede de fora. Pode ser a área de lazer de uma casa: pode ser um jardim. Espaço pode ser uma folha em branco. Pode ser o silêncio entre uma nota musical e outra. Pode ser o caminho percorrido entre o elevador e a porta de entrada. Espaço pode ser uma janela. Espaço pode ser o não-conquistado: o além-Terra. Espaço pode ser os dias que se têm até o fim de uma atividade: espaço pode ser, assim, tempo.

Espaço pode ser o que ainda está vago: como uma caixa não totalmente cheia. Espaço pode ser uma gaveta: se guarda coisas em um espaço: porque a função de um espaço é, na realidade, ter funcionalidade. Mas o vácuo é também um espaço: um espaço aonde nada cabe – nem o ar. Isso porque o espaço também é desprender-se da razão: espaço é poder sonhar: é poder pensar com liberdade. Espaço é permissão.

Espaço_é_o_que_cabe_entre_duas_palavras.

Mas espaço é também divisão: convenção sobre o que pode haver em cada lugar.

Espaço é onde fica uma matéria de jornal. Espaço é recipiente de objetos. Espaço é o copo que segura o líquido; é o corpo que segura o sangue, que guarda a alma. Espaço é a trajetória de uma vida. Espaço é um disco que guarda músicas. Espaço é a distância constante das pernas ao se andar. Espaço é o que está entre a capa e a contracapa: espaço é um livro. Espaço é uma tela de pintura. Espaço é uma fotografia: que é um espaço que não mais existirá de novo. Espaço é a boca que se abre para a comida. Espaço é o interior de um carro: espaço é transporte: movimento percorrido. Espaço é cada degrau de uma escada.

Espaço é o que a luz toca – não existe espaço no escuro.

Espaço é a distância entre dois corpos. Espaço é a cama, que está no quarto, que está na casa, que está na rua, que está no bairro, que está na cidade, que está no estado, que está no país, que está no planeta, que está no universo.

E o espaço é isso: um universo a ser reinventado sempre.

~~
* Escrevi este texto em homenagem à minha dissertação de Mestrado - porque estou grávida de um filho de auto-concepção e sou mãe solteira e desempregada - e-não-tem-sido-fácil.

Monday, July 23, 2007

[porque apertar o botão 'play' é abrir a porta e deixar entrar]

Sabe o que acontece quando alguém relativamente pacata, totalmente uncool, que ama silêncio, que corre de lugares lotados e que é besta pra rir se encontra com alguém como a JANA!?

Bom, além de ter de uma hora para outra uma vida bem mais movimentada, de saber de estórias que só ela saberia [porque são coisas que só poderiam acontecer com ela], e de ter um dicionário ambulante ao seu lado que lhe explica sobre as bandas e filmes que o povo fala e que te passam batido como frase em grego... é ter seu nome mencionado perante os mil vistiantes do blog dela, para responder publicamente a uma pergunta...

Mas tudo bem, porque ela faz gracinhas e consegue o que quer mesmo. :*

Além do mais, eu realmente a-d-o-r-o desafios.
Acho que é meu lado de garota-mimada-única-filha-mulher e dos irmãos que diziam do alto de sua masculinidade: eu duvido que tu consiga fazer isso.
E eu ia lá, me estrepava todinha, mas fazia.

Mas a pergunta que dona Banana me pediu para responder é:

Qual a sua relação com música?

Os primeiros acordes que entraram na minha vida [e graças, permanecem] foram os do meu pai. Meu pai é um cara tudo de bom: pintoso, gente boa, bom marido, bom pai, corajoso, responsável, e tem uma voz linda! Quando eu era pequena, eu, como a única menina da casa, tinha uma relação carrapato com ele. E perto dele eu podia tudo. E fui super-hiper estragada - só não fui mais, porque graças a Deus minha mãe tem os pés no chão. Mas meu pai vivia a cantar pela casa - aliás, faz isso até hoje. E eu me lembro de pedir para ele: pai, canta aquela da 'namoradinha de um amigo meu'. Ou a do ET - denominação que eu hoje, aliás, tomo para mim.

O fato é que mesmo hoje, com alguns gostos musicais já definidos, eu não sei letra nenhuma de música, com exceção das-do-roberto-erasmo-nelsongonçalves-jovemguarda-&-cia que meu pai sempre cantou.

Mas apesar de não ser uma rebelde, na forma exata como os rebeldes são conhecidos pelo menos, eu tenho sim a mania de ir na contra-mão do mundo... Tanto que geralmente descubro músicos uns cinco anos depois de todo mundo já ter descoberto.

O fato é que nos meus dezesseis anos, enquanto todos dançavam a la sei-lá-que-banda-estava-fazendo-sucesso-então eu colocava meu som nas alturas e dançava com Maria Bethania e Clara Nunes.

Um ano depois, aos 17, descobri Elis. E me apaixonei por ela. Ela é a única mulher que me faz quebrar o silêncio do meu chuveiro.
Já a cantei de uma ponta a outra da América e até hoje um ex-namorado que virou um grande amigo não pode falar comigo sem falar que ao ouvi-la pensa em mim.

Mas os anos vão passando e apesar de eternamente fiel a Elis, fui descobrindo que gostava de algumas bandas que o resto do mundo amava. Meu irmão mais velho me apresentou aos Foo Fighters, aos Engenheiros, ao Legião Urbana, e a outros tantos que são queridos pela maioria - ao mesmo tempo que meu irmão mais novo me fazia odiar o forró que ele, safadinho, teimava em colocar às alturas no domingo à tarde [hoje, com ele morando longe de mim, acho que eu nem me importaria de ouvir um forró aqui e acolá - muito mais acolá que aqui, no entanto].

Aos 26, me apaixonei por um cara e eu e ele criávamos nossa própria trilha sonora.
Entre meus poemas e suas melodias, vivemos nosso amor através de músicas.

Sem falar nas músicas do meu então sogro - que é um apaixonado por músicas antigas [e conhecedor profundo delas] e que sempre me apresentava a essas e eu sempre ficava encantada.

Eu tenho uma alma velha, sabe.

Mas hoje, bem, Vanessa da Mata me faz rir com sua Quando um homem tem uma mangueira no quintal, Céu me traz um senso de alternativo à alma, Norah Jones e a perfeita mas chatíssima Diana Krall me dão paz, Zeca Baleiro e Paulinho Moska me enfeitam os ouvidos, Gal canta ainda afinado e agudo em meu som, Nelson Gonçalves de vez em quando vem me falar sobre amélias, Marisa Monte é sempre perfeita pra mim...

E como uma boa esquecida, senil sem ter ainda a idade para tal, me pego constantemente redescobrindo amores musicais.

O fato é que música para mim vem sempre agarrada a um contexto.
Acho que é por isso que eu sempre digo que a vida deveria ser mais como um musical.

O que me chega ao meu bem maior: as trilhas sonoras.
De Julie Andrews, a Audrey Hepburn, dos clássicos da Disney à Pixar, dos infantis aos adultos: eu adoro trilhas sonoras.
Seja na voz da Pocahontas, da Belle, da Victoria [ou Victor], da Eliza Doolittle, etc. - amo a todos.

E confesso que não tenho costume de deixar rádio ou cd tocando no background: música para mim ou é desejo ou é surpresa.

Então, quando quero que Elis, ou Savage Garden ou Lulu ou Nana me embalem os ouvidos - eu coloco um disquinho acolá e me delicio.

E quando ligo o rádio e está tocando uma música da Elis ou da Legião eu olho pro céu sorrindo jurando de pé junto que foi um presente para mim.

E desconhecida de tudo como eu sou, quando vou de rádio ligado para os cantos, me pego as vezes tocada, apaixonada por uma música que não conhecia e fico ansiosa, esperando falarem o nome da música para eu anotar na agendinha que sempre carrego comigo.

Existem os amores eternos, claro.
Que não são paixão passageira: Elis [será que já está claro que a amo?], Bethania, Gal, Gil, Rita, Quarteto em Cy, Tom, Vinicius, Chico, Toquinho...
Outras que sempre me fazem bem: Pizarrelli, Rosemary Clooney, Vanessa da Mata, The Corrs, Zeca Pagodinho...
Outras que são música de refletir: os cantos gregorianos e os instrumentais [únicos que eu escuto enquanto estudo]

Então, qual minha relação com música?

Bem, como disse Joseph Campbell [e é incrível como eu cito esse homem]: são felizes aqueles que são capazes de ouvir a música.

E ter músicas que te levam a cantos que ficaram no passado é poder ter sempre um pedaço desses cantos dentro de ti.

Eu só sei que tem uma música religiosa que sempre me faz chorar: numa mistura de alegria e saudade e ternura: porque quando a escuto ou canto é como se a minha avó estivesse ao meu lado de novo.

Então, música para mim é isso: pedacinhos da nossa vida que enfeitaram com acordes musicais.


Pocahontas - Cores do Vento


Do filme Victor Victoria - Julie Andrews cantando Dame from Seville


Dolores Duran - coisas boas que a tecnologia traz de volta pra gente


Gal e Elis


Minha querida Elis

Friday, July 20, 2007

[significados]

Por todas as razões que possam conquistar um sorriso
     porta de entrada
Por todas as metas e planos e sonhos
      requisitos das horas que plantam
Por todos os corações que se remendam
      verdadeiro recomeçar
Por todas as lágrimas que secam
      paz conquistada
Por todos os amores não consumados
      eternas idealizações
Por todas as memórias guardadas
      caixa de retratos na mente
Por todos os sim’s dados
      permissões
Por todos os não’s proferidos
      medos
Por todos os arrependimentos
      provas do crescer
Por todas as certezas que o tempo provou
      verdadeiras verdades
Por todas as horas
      que têm suas razões e porquês
Por todas as pessoas que são lar
      que são elas o melhor aconchego
Por todas as rezas
      dos belos que sabem pedir
Por todas as esperanças
      que o homem é o único ser que crê
Pelo sol que nasce
      novo dia
Pela noite que envolve
      pois o silêncio mora no escuro
Por todas as mãos que se dão
      abraço de duas almas
Pelos segredos trocados
      confiar
Pelos anos que envolvem vidas
      caminhar juntos
Pelos olhos que se vêem
      reconhecer
Pelas falas que sabem
      entendimento
Por todas as conquistas
      sonhos realizados
Por todas as estradas trilhadas
      escolhas feitas
Por todos os desejos
      sabor de quem sonha
Por todos os amigos
      parte de nós
Por todos os que amam
      melhor caminho
Por todos os porquês
      que o tempo traz
Por cada dia
      tempo dado de presente
Pelos anos que se acumulam
      tatuagem do tempo na alma
Por cada espaço conhecido
      estória escrita
Por todos os que sabem de nós
      cumplicidade
Por todas as palavras
      que tentarão sempre abraçar quem somos.

Wednesday, July 18, 2007

[meu não passivo ser]

FYI: O título desde post não se remete a situações em que eu mereceria dar respostas ou me defender – pois o frustrante fato cotidiano é que eu nunca sei responder à altura no momento em que a resposta à altura se faz necessária - sou daquelas pessoas que dois dias depois concluem: eu deveria ter dito isso!

No entanto, uma coisa é certa: o conselho não-participativo e não-envolvente e um tanto quanto “could care less” de “só responda o que lhe perguntarem” não cabe lá tanto na minha personalidade.

Eu tenho a compulsão de falar, de dar minha opinião, de levantar a mão em sala de aula, de me meter no bedelho alheio, de comprar briga que não é minha.

Mania cara, esta.

Principalmente vindo de uma compulsiva-obsessiva em se auto culpar e em se martelar por dias e meses a fio por palavras ditas ou não.

O fato é que sou [deveria dizer estou ] tradutora.

Não é algo que eu desgoste completamente – já que tem me dado um senso de velocidade e concentração [ believe me: people do not respect the silence] que tenho certeza me será útil no futuro – mas também não é algo que eu tenha grande prazer em fazer. E se não fosse o necessário dinheirinho e a proibição empregatícia que uma bolsa acadêmica me impõe, eu já não estaria me prestando a tal papel.

E isso acontece por vários motivos.

Mas o principal deles devo dizer: a profissão de tradutora é infeliz.

Além de ter que achar maneiras de interpretar o que o autor quis dizer quando disse o que disse, são incontáveis as vezes em que você tem o dever de traduzir algo com o que você não concorda, ou pior, exaspera.

É um aprender-a-deixar-pra-lá que verdadeiramente me incomoda.

Até porque esse é um dos defeitos do mundo: todos esquecem tudo rápido demais. A neutralidade é convenientemente super-valorizada.

E a impessoalidade de tudo me dá nos nervos.

Como diz a personagem de Meg Ryan em “Mensagem para Você”: Qual o problema com ser pessoal? Se qualquer coisa, as coisas deveriam ser mais pessoais.

Mas somos todos profissionais neste mundo globalizado ocidental.

Agora eu pergunto: se tradutores não colhem os louros de traduzir as palavras que o autor criou, podem eles receberem o infortúnio de passar adiante o que não é bom?

O que sei é que a romântica em mim odeia admitir, mas existem pelo menos 10 dores-de-cabeça minhas que poderiam ser resolvidas com um bilhete de loteria premiado.

Até lá, é aceitar o papel de adulta no mundo dos horários comerciais e agüentar o que me faz pagar as contas no fim de cada mês.

Tuesday, July 17, 2007

[cumplicidade]

Uma coisa incrível aconteceu comigo ontem.

Não sei bem se será incrível a outros olhos que não os meus, mas lhes digo que jamais esquecerei o que senti naquele momento e o olhar que troquei com a mãe que irei relatar aqui.

A equipe do laboratório de pesquisa de que faço parte saiu para os confins do campus da UNIFOR para lanchar em uma das quitandas mais escondidas: é tempo de férias, o campus está vazio, e queríamos a desculpa de caminhar um pouco mais para que o lanche também consumisse um pouco mais de tempo.

Para quem não o sabe, o campus da UNIFOR é lindo, cheio de verde, árvores e ocasionalmente algum animal menos doméstico: como “soim” [mais conhecido fora do nordeste como Sagüi], iguana, etc.



Estávamos todos conversando quando um de nós apontou: olha, um soim! Não demora muito, outro da mesa fala: olha outro!

E outro!
E outro!

Está cheio!

Dentro de poucos segundos tinham em torno de quinze macaquinhos na árvore, todos gritando muito e se comportando de forma apreensiva.

Foi quando olhamos para o chão e percebemos a causa: um macaquinho bebê havia caído no chão.

Todos os macacos da árvore queriam pegar o macaquinho mas o ambiente estava cercado de gente – além dos sete do meu grupo, havia um grupo grande de pedreiros de uma das mega-construções da Unifor – então eles não estavam certos de como se comportar e de como recuperar o bebê.

Me levantei da mesa num pulo assim que o vi no chão.
Segurei-o com cuidado em minha mão e levei-o rápido para o caule da árvore – não queria que meu cheiro ficasse no bebê. Sua mãe o esperava lá.

Ele ainda era muito novinho para se segurar, mas coloquei-o de uma forma em que o seu peso o mantivesse junto à árvore e continuei por perto com as mãos no ar em forma de concha para o caso de ele não conseguir se segurar por muito tempo.

Isso tudo se passou em segundos.

E a mãe dele me olhava atentamente para defendê-lo ante o primeiro sinal de perigo da vida do seu pequeno.

Mas não foi preciso esperar muito, assim que o coloquei na árvore, e tirei a mão de cima dele, ela, me olhando nos olhos, andou em direção ao macaquinho e o agarrou em um abraço apertado.

Com ele grudado em seu corpo, saiu. Mas não sem antes olhar de novo para mim.

O grupo de quinze macacos observou tudo, e à medida que a cena se passava, eles iam diminuindo seus gritos.

E foram-se embora, os quinze com a mãe e seu bebê.

E eu fiquei junto à árvore ainda alguns segundos, embevecida com tamanha cumplicidade e união.

Acho que não há forma melhor de testemunhar amor, do que aqueles que lutam por você quando você não pode lutar por si.

Sunday, July 15, 2007

[receita]

Eu havia escrito e postado um texto enorme aqui no meu blog. O texto falava e falava sobre palavras e verbos e como era incrível que nós fôssemos capazes de nomear nossas ações, mas que mais importante que nomeá-las, era realmente agir: colocar os verbos em ação: fazê-los atos concretos.

O que também é verdade, claro.

Eu até havia citado Molière, que diz que somos responsáveis não apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer.

E tudo isso é sim absolutamente verdadeiro.

No entanto, eu gosto de acreditar que a cada manhã nós somos um pouquinho mais inteligentes do que o que éramos quando fomos dormir: então, nesta manhã eu decidi apagar o texto que eu havia postado.

Nada há de muito dramático nisso: além das três pessoas [thank you guys] que lêem este blog por amizade a mim, e um ou outro cibernético que veio parar aqui depois de, coitado, ter procurado - pelo visto sem sucesso - algo sobre varandas para redes no Google, não mudo a vida de ninguém ao repensar sobre algo postado.

Para não muito variar trata-se apenas de um incômodo gerado em mim.

Então, como esta é sim minha sala terapêutica, onde após apertar o enigmático botão publicar jogo minhas palavras para um cosmo que não seja mais só meu, vim aqui reformular meus pensamentos e mastigar um pouco mais na matéria que me embala.

Vê, durante alguns bons anos de minha vida eu achei que tinha importância o que, ou quem, ou como... achei que seria válido se tudo fosse exatamente como era para ser. Se cada um de nós achasse fórmulas para ações que nos fizessem a cada dia pessoas que cresciam, pessoas que sabiam o que faziam, e mais que isso, que acreditavam no que faziam.

Para mim, uma ação tem que estar unida a uma convicção.

E talvez seja isso, talvez seja essa a razão de eu levar tudo tão a sério.

Mas ao contrário do que meu outro texto talvez deixasse supor, as ações não devem sempre ser vazias de palavras.

Não, não.

Eu já ouvi as palavras.

Elas são lindas.
Elas encantam.
Elas te fazem enxergar um colorido que você só é capaz de ver quando as escuta.

E não importa o destino que tantas histórias de amor e amizade tenham tomado, a verdade é que essas palavras então ditas sempre me enfeitarão. Sempre serão minhas porque a mim foram dadas.
Mas ao passar boa parte da manhã na cozinha fazendo o almoço de domingo exatamente como eu havia desejado ao acordar, eu percebi como viver é na realidade criar uma receita.

A cada um de nós são dados ingredientes e esses são misturados, separados, adicionados, marinados, assados, cozidos... a nosso bel fazer.

Somos todos cozinheiros.

[E escrever é usar as palavras como ingredientes e sair juntando cada uma como melhor lhe parecer para no fim ter o texto criado como prato final].

O fato é que eu não acredito em ações vazias de palavras – leia-se convicção. E não acredito em palavras vazias de ações. E por isso eu vim aqui colocar um texto no lugar do que eu tinha escrito: porque na verdade todos nós sabemos a receita ideal: todos nós sabemos como é bom escutar o “eu te amo”, assim como nós sabemos o quanto é incrível quando alguém ‘diz’ isso ao fazer algo que para nós é extraordinário.

O fato é que como eu digo teimosamente enchendo o saco do meu amigo Bal, a vida está aí para que acreditemos na sua enorme capacidade de fazer o próximo minuto melhor do que o minuto passado.

Acho que é essa a receita que todo domingo deve trazer.

Thursday, July 12, 2007

[ca-que-como]

Na boa, pessoas como eu deveriam vir com um manual de instruções duplo – tanto para os que convivem comigo, como para mim que convivo com os outros.

Me reporto para a adorável sonhadora Holly Golightly de Breakfast at Tiffany’s: a phoney, but a real phoney. Ou seja, talvez eu seja essa imitação barata de um livro de auto ajuda que tenta ver tudo um tanto mais cor-de-rosa do que na verdade é. Talvez eu ainda acredite em amores que duram vidas inteiras, em filhos crescendo saudáveis e cheio de amor e proteção, em homens que saiam do ordinário lugar cômodo que a modernidade lhes criou e sejam verdadeiramente homens.

Quem sabe eu ainda acredite em um monte de coisas que terminam por só existirem em minhas crenças.

Mas eu, influenciavelmente crível, continuarei crendo em tudo isso.

E se no meio tempo sou uma trapalhona, que na maioria das vezes está no lugar errado na hora errada, que é terrível em dizer não, e que aos recém-completos 28 anos – quase uma balzaquiana – ainda ri de si mesma, então, relevem-me.

Eu na verdade venho aprendendo a dançar com toda a minha ridicularidade.
De fato, às vezes levamos tempo para entender coisas que tantos já entenderam.

Eu rio com a Mônica e o Cebolinha, sou fã do Bob Esponja, gargalho no meio do trânsito se me lembro de algo engraçado, choro no meio da noite por um pesadelo ou por uma lembrança triste, sou capaz de passar horas ocupada em um desenho ou olhando plantas e formigas no quintal, vou visitar gente semi-estranha no hospital se acho que isso os fará se sentirem um pouco mais queridos e necessários, não lido bem com conflitos, adoro cozinhar as receitas que gosto, pijaminha e um filme é um programa mais que tudo-de-bom para mim, e me sinto desconcertadamente atraída por caras altos.

Confesso que há vezes em que eu, desligada e ET, me sinto um verdadeiro Joey do Friends: não entendo nada que as pessoas estão falando e fico balançando a cabeça com cara de séria e compenetrada e morrendo de fazer hora de mim mesma por dentro.

Eu acho que no fundo, sou realmente uma phony. Fico andando por aí com essa cara de gente séria e entendida quando na verdade as coisas não são bem assim.

É muito legal escutar pessoas que parecem saber do que estão falando. É show mesmo. As pessoas estão cada vez melhores em suas teorias críticas por sobre o mundo, fatos e outras pessoas.

E confesso que às vezes até me convencem realmente.

Mas sempre me vem à mente uma historinha que se passa entre o Franjinha [o inventor da turma da Mônica] e o Zé Luiz [o intelectual da turma]: o Zé Luiz, sempre muito inteligente e sabedor de tudo, tinha chegado a um nível tão elaborado de diálogo que não se fazia entender pelo resto da turma. Franjinha então lhe lança um desafio: lhe mostra uma flor e lhe pede que diga o que acha dessa.

Zé Luiz, tomado de uma inspiração poético-científica começa sua descrição elaborada: um vegetal da classe tal, que tem por características tais, e reproduz-se de tal forma e sua beleza vem sendo retratada por vários artistas dos séculos tais, tais e tais... Franjinha balança a cabeça e diz com um tom de desaprovação: Diga apenas que a flor é bonita.

Zé Luiz se vê podado de sua eloqüência: “Isso é desvalorizar sua descrição por demasiado” – frustra-se ele.

Moral da história: às vezes as coisas deveriam ser bem mais simples do que o que as pessoas as fazem.

E eu, bem, tentarei seguir acreditando em todas as coisas que fazem meu coração rir, e tentarei seguir o sábio conselho de dançar como se não estivessem me olhando.

Das duas uma: ou sou uma acadêmica medíocre, ou tomo para mim o desafio de acreditar no que a maioria não acredita.

Como eu sou eu, voto na segunda opção: e digo até que já estou acostumada com esse papel.

Elaine, um brinde, por favor! :]


Monday, June 04, 2007

[o que é importante]

É que se diz que a janela da alma são os olhos. Acho que é porque as pessoas que falam olhando nos olhos falam com mais certeza do que falam – o que é bem certo realmente. Afinal, olhar nos olhos mostra franqueza, mostra uma responsabilidade pelo dito que já não é lá tão comum hoje em dia... Ou porque, querendo ou não, são nossos olhos que vêem o mundo, que lêem qual o mundo que vemos por eles...

Mas daí a dar o título de janela da alma aos olhos... não sei não... talvez seja minha mania de enxergar mais do que existe, mas se eu fosse dar tal título a alguma parte do ser humano, daria ao sorriso.

Sim: Sorriso, o proclamo agora e para sempre, janela da alma!

Ora, pois se conhecemos uma pessoa pela razão que ela sorri!

É o sorriso que comunica, é ele que dialoga, é ele que expõe o que é ético ou não. É o sorriso que nos separa de todos os outros seres que não sorriem: é isso: todos os seres viventes da Terra são divididos entre os que sorriem e os que não sorriem.

Diga-me lá se isso não é algo poderoso.

Diga-me lá se ele não merece ser essa espiadinha na alma que está lá dentro... Se ele não merece ser porta de entrada para o que de verdadeiro existe em nós.

Na realidade, o sorriso é tudo: é o agradecer pela vida, é a esperança de dias melhores, é a pureza de uma criança, é o sonhar e o sonho realizado, é o prazer, é a paz, é a brincadeira, é a alegria, é a música, é o desejo, é o ontem, o hoje e o amanhã...

O sorriso é o que nos é importante.

E nossas razões de sorrir falam por nós.

Acho que melhor que o nosso próprio sorriso, só o sorriso daqueles que nos fazem sorrir por existirem em nossas vidas.

E saber a razão do sorrir é conhecer: é essa a bandeira a ser carregada: na amizade e no amor, no companheirismo e na cumplicidade: é o sorriso quem fala por nós.

Janela da alma que gargalha por se mostrar nesse nome que se nomeia a si mesmo: sor-RI-so. Só riso: vocês eu não sei: mas eu quero que seja ele que fale por quem eu sou.

E com certeza é ele que proclama o que é importante para mim.


~~~

E aqui vai um sorriso que achei hoje:


Julie Andrews e Gene Kelly juntos!

Sunday, May 27, 2007

[confissão]




~~~

Freddy:

Speak and the world is full of singing,
And I'm winging Higher than the birds.
Touch and my heart begins to crumble,
The heaven's tumble, Darling, and I'm...

Eliza:

Words! Words! Words! I'm so sick of words!
I get words all day through;
First from him, now from you! Is that all you blighters can do?
Don't talk of stars Burning above; If you're in love,
Show me! Tell me no dreams
Filled with desire. If you're on fire,
Show me! Here we are together in the middle of the night!
Don't talk of spring! Just hold me tight!
Anyone who's ever been in love'll tell you that
This is no time for a chat! Haven't your lips
Longed for my touch? Don't say how much,
Show me! Show me! Don't talk of love lasting through time.
Make me no undying vow. Show me now!
Sing me no song! Read me no rhyme!
Don't waste my time, Show me!
Don't talk of June, Don't talk of fall!
Don't talk at all! Show me!
Never do I ever want to hear another word.
There isn't one I haven't heard.
Here we are together in what ought to be a dream;
Say one more word and I'll scream!
Haven't your arms Hungered for mine?
Please don't "expl'ine," Show me! Show me!
Don't wait until wrinkles and lines
Pop out all over my brow,
Show me now!

~~~


* do filme 'My Fair Lady'

Wednesday, May 09, 2007

[dvds]

É que talvez as pessoas sejam um pouco como Dvds.

Existem aqueles dvds que só basta que os vejamos uma vez, e sabemos que vamos querer vê-los de novo e de novo para o resto de nossas vidas.

Existem aqueles dvds que mal começamos a ver e já sabemos que o melhor a fazer é desligar logo o aparelho e devolver aquele dvd o mais rápido possível.

Existem dvds que nos encantam durante um período e nos são muito especiais durante esse tempo, mas aí percebemos que eles não fazem mais que com nos sintamos bem, que eles nos fazem chorar.

Existem dvds que logo depois de termos encontrado, não queremos nunca mais sequer ouvir falar deles.

Existem dvds que nos marcam profundamente, mas depois desaparecem e não conseguimos mais encontra-los, por mais que os procuremos.

Existem dvds que vemos algumas vezes e depois não temos mais coragem de ver – por vários e diferentes motivos.

Existem dvds pelos quais nos apaixonamos e então achamos que nenhum outro será tão belo [o tempo nos mostrará, no entanto, que serão vários os belos e que eles nos marcarão de formas diferentes]

Existem dvds que são simplesmente feios, que nos fazem se sentir mal, que nos trazem para baixo sempre que cruzam nosso caminho.

Existem dvds que são como sonhos: absolutamente irreais, mas absolutamente lindos.

Existem dvds que não fazem bem ou mal, e às vezes sequer conseguimos lembrar deles, ou às vezes eles são exatamente o que o momento pede.

Existem aqueles dvds que sempre nos fazem se sentir bem, que sempre levantam nosso ânimo, que sempre nos trazem um sorriso à boca e paz ao espírito.

Existem aqueles dvds que nos causam medo, que fazem com que tenhamos pesadelos, que retratam o que existe de feio no mundo.

Existem aqueles dvds que nos fazem acordar, que nos falam as verdades que precisamos ouvir, que nos arrebatam do mundo das ilusões e fincam nossos pés no chão.

Existem dvds que são como crianças: alegres e inocentes, puros e leves, graciosos e verdadeiros.

Existem dvds que nos mostram fragilidade, que nos fazem ver as limitações do homem, que nos fazem perceber nosso tempo finito, que nos fazem perceber o valor que deve ser dado a cada dia.

Existem dvds que acreditam no fim feliz.

Existem dvds que são repletos de tristezas.

Existem dvds que são cheios de perdão; outros que são cheio de inveja e maldade.

Existem dvds que são exemplos de vida; outros que são exemplos do que não seguir.

Existem dvds que existem simplesmente por existir e outros cuja existência não nos imaginamos sem.

Existem dvds que sobrevivem ao tempo: sempre mostrando continuamente sua importância e beleza. Existem dvds que serão sempre uma linda lembrança. E outros que ficaram esquecidos no tempo a que pertenceram.

Existem dvds que nos chegam como um presente e fazem nossa vida melhor e mais bonita.

Existem dvds que nos fazem olhar alegres para a nossa prateleira: porque só tê-los ali já nos faz nos sentirmos mais felizes e certos de ter sempre um sorriso à mão.



~ Para os ‘dvds’ da minha vida.

Wednesday, May 02, 2007

[definições]

São esses anseios que ecoam de dentro de nós. Vozes que nos gritam no ouvido, que nos sussurram sobre medos, sobre desejos, sobre incertezas. Passado e presente misturados numa corrente contínua e fluida. Olhares que só nós vemos, vozes que só nós escutamos, desfechos que escolhemos sem escolher realmente.

E falamos falando o que não conseguimos falar. E tudo parece tão imenso e tão enrolado e tão cansativo e tão, tão maior que nós.

E as horas nos chegam, sem discrição alguma, esbarroam sua entrada em nosso tempo, rodam tontas no relógio, assoviam salientes do alto das manhãs, riem nocivamente no fechar das noites de derrota. No palco, nós, vencidos pelas superações que não conseguimos alcançar.

Esses pobres homens, também. O que o tempo quer de nós? Quererá nos moldar em seres superiores? Desejará cochichar-nos sabedorias? Anseia talvez nos contar segredos de felicidade e paz?

Ora, ora.

Será esse o plano do tempo?

Desejará ser a água da sede*, o preencher do vazio, o sentido da confusão?

Terá talvez a pretensão de se fazer professor e mestre? De se vestir de luz? Quererá o tempo nos mostrar os por quês? Pensa talvez o tempo que é capaz de nos transformar?

Mas, ora, ora.

Quem o tempo pensa que é?

Esperança, por acaso?


* essa frase não é minha: foi-me dita hoje pela manhã por Flaubênia, colega do mestrado, em um contexto diferente.

Sunday, April 22, 2007

[um texto bonito]

Na verdade a beleza é um sorriso.

Você vê o que lhe é belo e pronto: você simplesmente sorri.

Mas o que é um texto bonito?

As imagens que vamos formando, imaginando, à medida que lemos o texto?

O sentimento que o texto desperta em nós?

Acho que todas as anteriores. A depender do momento, do texto ou do espírito.

O que sei é que precisamos de um texto bonito. Precisamos alimentar o que há de belo. Precisamos estimular o que sentimos que é bom, o que nos faz sonhar, o que nos faz ver tudo um pouco mais colorido.

Um texto bonito nos traz leveza, nos faz terminar a leitura com um sussurrante “é verdade...!”.

Quase como uma confissão a si mesmo. Quase como a mensagem de anjo que nos foi enviada para que ainda acreditássemos em algo.

E não somos nós que encontramos um texto bonito.

É ele que nos acha.

Chega às nossas mãos ou vem à nossa mente no momento da precisão.

E a verdade é que necessitamos do texto bonito.

Que traga à tona boas lembranças, que abrace nossos sonhos, que endosse nossas esperanças.

No entanto, creio eu, não é o autor quem faz o texto bonito. Ou se o faz, faz para si – porque é, também, leitor.

E é o leitor quem faz o texto bonito. É o leitor quem vê o que de belo há ali. É o leitor quem confessa para si: “é exatamente isso que eu sinto. Que eu precisava ouvir. Perfeito isso!”.

Perfeito sim. Porque na verdade só nós somos capazes de reconhecer as peças que nos faltam.

E um texto bonito é isso. Um pedacinho seu que estava perdido por aí e que você, de repente, achou.


- Para o meu amigo Bal.

Tuesday, April 03, 2007

[um post triste]

É que no mundo tudo precisa ser anunciado. Tudo há que ter uma razão de ser, uma explicação, um por quê. Tudo há que ser aparente.

Lembro-me da frase de Exupéry: “o essencial é invisível aos olhos”.

Mas confesso que acho a frase extremista demais: há tanto que é essencial e que é, no entanto, tão visível.

Mas o que dizer da dor? Parece-me que temos que mostrar o gesso do braço; a ferida aberta na perna; os pontos que costuram o pé.

[para que serve, senão, o atestado do médico?]

A dor, por si só, essa não causa sensibilidade.

É a velha história da pedra no sapato do outro...

E é também como a dor de um coração partido. Parece-me que a dor de uma perda, sem ser por morte sofrida ou súbita, não causa lá tanta compaixão...

Quem há de mensurar a dor do outro?

A pedra que lateja no sapato que não sai do pé?

Este é um post triste. Porque a tristeza é parte de tudo. Emenda as peças do quebra-cabeça; agita os pensamentos; torna consciente o que incomoda.

A tristeza faz a dor aparente.

A tristeza comunica.

Confesso que posso dizer que tenho alguma – ainda que pouca – autoridade em dor. Qualquer pessoa que já teve operado um osso do seu corpo pode dizer com propriedade que já sentiu dor. Uma dor aguda e indizível, que te faz querer deixar de existir, desaparecer do mundo que permite tal presença.

[e aqui falo de um dedo, imaginem]

A dor que sinto hoje, perto da dor que já senti um dia, essa dor é quase nada. É um restinho de terra, uma sombra do que já existiu.

Para ser ridícula: é um punhado de grãos na imensidão da areia da praia.

E há que vir o mar já já e levar esses grãos embora.

Porque na verdade a dor faz com que percebamos o que sequer sabíamos que existia.

A dor anuncia a falta da não-dor.

É uma saudade.

No fundo é só isso.

Saudade do tempo em que não doía.


Friday, March 30, 2007

[são os teus olhos que vêem o mundo]

O que são nossas certezas, não é? O que você acreditou ontem? Em que achou estar certo? Quais foram os pensamentos que eram teus e que você viu se esvaírem como se eles nunca tivessem envolvido nenhuma intensidade...

Somos todos formados da mesma matéria falha. Uma matéria que só pode ter a certeza de que se modificará ainda milhares de vezes até que por fim se transforme pela última vez.

Recentemente, veio a mim a seguinte frase: “envelhecemos como vivemos”.

Uma vez me foi dito que não podemos fugir de quem somos, que transbordamos por nossos poros. E essa é sim uma grande verdade. O único complemento que faltou a essa afirmação é que nossos poros estão sempre a mudar.

O tempo os transforma, os fazem mais visíveis, mais coerentes com o que aceitar ou não da vida, mais certos do suor que devem ou não expelir.

Mas sim, envelhecemos como vivemos. Porque o viver é na verdade uma atitude perante a vida. Somos nossas crenças por sobre a vida, por sobre a experiência do viver.

No entanto é preciso ressaltar que essa não é uma verdade estática. Ou, para melhor expressar-me, não é uma verdade petrificada; mas sim uma verdade em movimento.

Porque caros, o que falta nessa grande verdade que clama que envelhecemos como vivemos é que somos vários ao viver: e temos na realidade tantas vezes quantas forem possíveis, até que se chegue à nós nossa finitude, para que percebamos o encantamento de viver, para que possamos crer nessa seqüência de acontecimentos e experiências que perfazem a própria vida.

Esparramo esses pensamentos por um motivo apenas: porque o emprego que eu quero da vida é o de caçadora de belezas.

Dessas belezas que faz você aos 89 anos ver a vida com toda a plenitude da juventude. Dessas belezas verdadeiramente belas, que sobrevivem a todas as tristezas e percalços, decepções e auto-vitimização.

Quero colocar meu par de óculos e enxergar por essas lentes magníficas, que ‘envelhecem como viveram’ e que viveram a perceber a beleza de apreender pequenas coisas, de saber quando dar a mão, de ver o lado mais bonito das pessoas e dos espaços ao seu redor.

Na realidade, são nossos olhos que vêem o mundo.

E cada par de olhos tem o mundo que enxerga.

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Desejo

-Victor Hugo-

"Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E
que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar
".

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Me é impressionante como algo tão lindo como essa poesia, ainda não seja capaz de englobar tudo o que é possível à vida.

São muitos os desejos. Uma vida apenas.

E a forma como essas duas variantes se entrelaçam na realidade só depende de nós.

Afinal, são nossos olhos que vêem o mundo.