Monday, October 30, 2006


[nosso caminho de cada dia]

Uma vez que sabemos de algo, não conseguimos fingir que não sabemos. Saber nos transforma em outra pessoa, e não podemos simplesmente voltar a ser quem éramos quando não sabíamos.

Assim é o saber: é esse companheiro que nasce junto conosco, que é quase nosso irmão siamês, que andará ao nosso lado, de mãos dadas conosco sempre. Às vezes teremos uma raiva incrível dele, às vezes não o aceitaremos, às vezes nos olharão torto por termos aquele conhecimento ali ao nosso lado, às vezes nos sorrirão por conhecermos algo que é reconhecido e admirado, às vezes vão querer nos jogar na fogueira, às vezes aquele saber vai nos trazer a maior alegria que já tivemos [até porque todo amor incondicional só vem através do saber], às vezes ele nos fará sofrer grandes amarguras, às vezes iremos negá-lo: porque não estaremos prontos para ele, às vezes ele nos chegará de mansinho e, um dia não mais belo que os demais, entenderemos que esse saber já está ali faz tempo.

E saber é também uma graça: é entender, é enxergar sentido, é reparar, é reconhecer, é saber decifrar.

A nós, que sempre estamos em processo, que sempre estamos em um trem que não pedimos para entrar e que não cabe a nós decidir quando sair, a nós, pobres limitados humanos, nos resta aprendermos: sermos servos desse saber dualista: que ora nos aprisiona e ora nos liberta, que ora nos faz chorar e ora nos faz sorrir. É como um relacionamento: achamos quem amamos, achamos uma pessoa com quem adoramos dormir e com quem adoramos acordar: sabemos que teremos momentos de prazer, sabemos que teremos momentos de raiva, sabemos que teremos momentos de dor, momentos de sorriso – mas a cada um desses momentos que nos aparecem, conhecemos mais a pessoa que está ao nosso lado e sabemos reagir melhor a esses momentos, e aprendemos a decidir o que vale a pena e o que não vale, o que queremos e o que não queremos, o que podemos e o que não podemos fazer.

E o saber nos acompanhará fielmente: porque ele é nós mesmos. E caminhará conosco para sempre. E a vida de outros nos tocará através dele. E as histórias de outras vidas chegarão a nós por ele: por esse idioma intrínseco a nós, que nos faz aprender a falar, que nos faz aprender a andar, a amar, a desculpar, a acertar, a viver, a ser feliz, a ouvir a nós mesmos e aos outros, a reconhecer, a baixar e a levantar a cabeça, a calar e a dizer, a chorar e a sorrir, a aceitar e a lutar, a crescer a cada dia: porque nunca deixaremos de ser aquele bebezinho que precisa aprender a andar para fazer parte do mundo dos homens grandes.

É como toda coisa incrível da vida: é um arriscar-se. Pode dar certo, pode não dar. Pode nos trazer lágrimas ou pode nos trazer sorrisos. Mas a grande sacada é sair do pode isso ou pode aquilo e perceber que tudo que é bom mesmo nos trará sempre as duas coisas: porque todo conhecer, todo aprender, todo crescer, tem momentos de choros e de gargalhadas. E se não fosse assim, nós nunca entenderíamos, antes mesmo de aprender a falar, que o choro nos traz a mamadeira: ali a vida já se mostra assumidamente para nós: tristezas nos farão crescer e crescer nos trará sorrisos e nada disso é possível sem o saber que caminha lado a lado conosco e que nos faz reconhecer o que vivemos, quem somos, e por quais caminhos nosso trem deve passar: porque isso, isso é sim decisão nossa.

Tuesday, October 24, 2006


[para o vento]

É sempre um presente quando nos permitem fazer o que sentimos que devemos.

Monday, October 23, 2006


[entendimentos]

É engraçado como um dia não se passa sem que aprendamos algo de novo ---- e com isso quero dizer duas coisas: o de novo [new] que aprendemos, e o que aprendemos de novo [again]. Porque a vida é isso, e aprender sobre si é isso: um constante visitar e revisitar. Um constante manter e mudar.

Confesso que há muito sobre o mundo que não entendo. E há muito sobre o mundo que me machuca. E existem certas coisas que me chegam aos ouvidos que preferiria não saber.

Gosto muito do mundo cor de rosa. De imaginar um mundo bonito, de ver o bom nas pessoas, de achar que não, que fulaninho não seria capaz disso, que é tudo um mal-entendido, uma história distorcida...

Mas a verdade é que às vezes a vida te dá um solavanco e te mostra um lado que não é bonito. Que não encanta. Que suja e causa desgosto.

E sei que não poderia ser diferente: somos todos falhos, todos metemos os pés pelas mãos muitas vezes, todos nos arrependemos de coisas que ficaram para trás e todos temos algo que se fôssemos fazer hoje novamente, faríamos diferente.

Sei que sou boba por falar isso, logo eu que visto uma carapaça que tenta ser tão forte, mas às vezes não acho que estou preparada para o mundo.

Às vezes dá vontade de ficar na zona de conforto mesmo. Ficar estagnada em um cantinho seguro, aonde o ruim da vida não pode me alcançar, aonde sou filha querida, aonde cumpro minhas funçõezinhas cotidianas, aonde a cada pequena vitória esperada, acho elogios para me congratular.

Mas há essa outra parte em mim, essa parte que quer o novo, que quer sempre inúmeros desafios, que sabe que a vida vai jogar cruel mesmo, e que ai de quem não for forte. Esse lado que sonha o impossível, que quer mais do que o que consegue dizer, que se empolga com pouco e que olha para longe, que sorri sorrisos fáceis simplesmente porque cada minuto conta.

E confesso que queria entender mais sobre muitas coisas. Odeio quando não entendo algo. Me causa angústia. Desconforto. Incômodo.

Gosto de saber o por quê das coisas. Gosto de passar coisas a limpo: um caderno organizado. É mais fácil crescer quando o diálogo acontece. É mais fácil entender. É mais fácil deixar para trás o que é preciso deixar e é mais fácil seguir adiante.

Entendo que falo sobre muitas coisas aqui. Generalizo.

Mas é que a vida está brincando o jogo da mistura comigo: este ano tem sido um grande desafio. De perdas e ganhos grandes. De pessoas que perdi. De pessoas que ganhei.

E os dados continuam sendo jogados no tabuleiro. Este grande tabuleiro de entendimentos que sempre busco alcançar e que às vezes não dependem só de mim.

O que sei é que as pecinhas continuam a se mover a cada jogar dos dados: e não sei muito bem qual o prêmio* que me espera no último quadradinho do tabuleiro, mas é um caminho que, a cada quadradinho percorrido, a cada vez que os dados me dão alegria e tristezas, sei que deixo para trás não quadradinhos vazios, mas uma história que é escrita continuamente e que me ensina a cada dia o que é importante ou não.


~~~~~~~
vai ver o prêmio é justamente chegar ao final.
e poder olhar para trás e dizer que o caminho valeu a pena.


Friday, October 20, 2006


[whisper]


I want much more than this provincial life
I want adventure in the great wide somewhere
I want it more than I can tell
And for once it might be grand
To have someone understand
I want so much more than they've got planned





Beauty and the Beast - Belle







Monday, October 16, 2006



[filosofia]

Diz uma frase de Sartre que existir é beber-se a si próprio sem sede. E é engraçado como a vida passa nossa existência inteira esperando que nossa ficha caia em relação a isso. Cá passamos nós, cada um, nove meses em um mundo submerso, sendo formados, camadas e camadas de células sendo criadas para que nos transformemos, ao final, numa vasilhazinha que chamamos de ser humano. Daí, depois desses nove meses absorvendo tudo sem ter a escolha de sair dali se estivermos incomodados, quando pensamos que estávamos seguros e bem acomodados, vem aquele empurrão e lá vamos nós rumo ao desconhecido. E, apesar de aprendermos depois que tudo o que vivemos durante aquele período submerso vai nos acompanhar pelo resto da vida, não lembramos de nada do que experimentamos durante o casulo não: só sabemos que viramos borboletas.

Nos anos que se seguem, coitados de nós, tudo é necessário ser aprendido. Passamos tempos e tempos deitados em nossos berços olhando para nossos dedos, para nossos pés, para qualquer coisinha colorida que colocam na nossa frente. Um espelho? Nossa, horas vão embora com a gente inebriado com aquela imagem que se mexe junto com a gente. Aí, percebemos que o povo fala. Que tudo tem um nome. Que o povo anda. Que andar leva a gente para outro lugar. E lá vamos nós, embarcar nessa aventura de fazer o que outro faz. Naquela velha história de sempre: se ele(a) consegue, eu também consigo. Aí, ótimo, alguns anos se passam: já sabemos um monte de coisas, pensamos.

Tsc tsc tsc. Não basta aprender a falar não. Tem que aprender a escrever. Tem que ir pensando no que vai ser quando crescer. E não vale a resposta: vou ser grande, ué!Porque, depois aprendemos, ninguém nunca é grande, ninguém nunca está totalmente pronto, completamente formado. Aí começamos com as especulações, geralmente junto com as bonecas, com os carrinhos e o pega-pega: vou ser aeromoça, veterinária, médica, piloto de avião, piloto de fórmula um, astronauta, cientista, vou ser igual ao meu pai!

E o tempo passa e percebemos a grande função dos sonhos: fazer com que alcancemos coisas que não alcançaríamos se não tivéssemos sonhado. E percebemos que a vida brinca de amarelinha conosco o tempo inteiro: às vezes estamos no céu, às vezes naquela outra extremidade. E aprendemos, com o passar do tempo, o que nos faz sorrir, o que nos faz chorar, o que nos deixa triste, o que nos deixa com raiva, o que nos cansa... Aprendemos a abrir mão de uns sonhos, para poder ter outros. Aprendemos a aprender com nossos erros.

Quando temos sorte, temos a iluminação de tirar uma conclusão essencial sobre a vida: ela é um conjunto de experiências. E nós estamos aqui para experimentá-la mesmo. Para aprender sempre. Para descobrir caminhos. Para saber voltar atrás. Para tirar conclusões e saber que, mesmo essas conclusões, podem ser mutáveis. Estamos aqui para entender que sempre podemos nos descobrir certos, e sempre podemos nos descobrir errados. Estamos aqui para tentar entender os vários por quês que nos aparecem. Estamos aqui para saber a hora dedesencanar, de deixar ir, de parar de se preocupar. Aprendemos então que nem tudo depende de nós. Que somos pequenos. E que, às vezes, temos a oportunidade de sermos grandes, de tocarmos outras vidas, de darmos as mãos.

Percebemos que passamos a vida toda nos educando. Construindo e desconstruindo o que sabemos. E nossas experiências são tudo. O ficar parado e o agir, o falar e o calar, o andar e o sentar, o entender e o não-entender, o chorar e o sorrir, o dar a mão e o não-dar, o desculpar e o não-desculpar, o tentar e o não-tentar. Não se vive sem ter experiências. Experiências são como escolhas: o próprio fato de não fazer uma escolha, já é uma escolha.

E nossas experiências nos fazem aprender o que é apropriado e o que não é, quando devemos seguir as regras do mundo social e quando não devemos. Nos fazem ser, a cada dia, um pouco mais sábios. Mas, mais que tudo, a grande função desse nosso viver constante é, a meu ver, aprendermos o tipo de fidelidade mais importante e imprescindível que existe: a sermos fiéis a nós mesmos.

Friday, October 13, 2006

Wednesday, October 11, 2006



[fantasia]

Desde que eu me lembro eu amo frases. Aos dezesseis anos passei semanas debruçada sobre minha máquina de escrever batendo - letrinha por letrinha - as várias frases que eu tinha pensado e refletido até ali. Ao fim do projeto, dei um título à coletânea. Não lembro qual era neste momento. Está aí em alguma gaveta, em alguma caixa - qualquer dia desses eu acho de novo.

Acontece que frases me encantam porque elas captam o quanto somos efêmeros, o quanto nossas verdades são passageiras, o quanto nossas realidades são compostas de momentos.

E embora isso tudo possa ter um sentido negativo, embora possa parecer que falo isso como se fosse algo ruim, na realidade penso justamente o contrário.

E apesar de escrever ser, para mim, tão essencial como qualquer função biológica, e embora eu me recline sobre esse fato para poder me lisonjear de alguma sanidade mental [porque despejo sobre as palavras tudo o que me enlouqueceria, se guardado], escrever é também - principalmente poesias - solidificar aquela pessoa que eu era naquele intervalo de tempo: e o que aquela pessoa [que eu era] sentiu sobre aquilo, naquele tempo de que fazia parte.

E essas frases escritas nem sempre registram sorrisos.

Às vezes elas registram dor.
Às vezes um arrependimento.
Às vezes um medo.
Às vezes uma dúvida.

E se é verdade que não somos os mesmos de ontem, e que não seremos os mesmos amanhã, também é verdade que vivemos constantemente revisitando essas pessoas que éramos.

Nunca nos livramos de nós mesmos.

Estejamos no passado ou no presente de nós.

Sempre aquele cidadão [que você era], quando você menos esperar, vai aparecer na cara dura, te fazer olhar um espelho passado, e te mostrar da forma mais cruel do mundo quem você era e o que você tinha.

Isso às vezes vai te fazer levantar os ombros, indiferente.
Às vezes vai te fazer sentir saudades.
Às vezes vai te fazer sorrir por saber que tudo aquilo está lá longe agora.

E essa é a 'frase' mais constante do homem: às vezes.

Somos, todos nós, uma coletânea de "às vezes".

E o interessante de achar por aí frases de outros, é perceber com alívio, que nossas dores, nossos sorrisos, e até nossas reflexões fazem sentido.

Sim, porque somos um bicho incompleto. Sem o outro, não somos ninguém.

Não há por que eu ter um nome, se não houver ninguém que o chame, que o pronuncie. Ou que até o reconheça como nome.
E até para olhar para nós mesmos, às vezes precisamos do outro: como um ator que reaje à reação do outro.

Assim são nossas verdades, nossas lágrimas: é tão confortante quando nos dizem: você tem razão de estar assim. isso dói muito sim.

Mas há momentos - às vezes muitos - em que falta essa leitura do outro: não somos, a maioria de nós, decifrados assim tão facilmente.

E então quando uma frase que nos faz sentido nos encontra, sentimos algum conforto: pronto. é assim que me sinto.
Passamos nossas vidas tentando validar nossos sentimentos.
A literatura inteira está construída sobre essa verdade.
As músicas, então: cada composição é uma tentativa de registrar um momento, um sentimento.
Um de nossos às vezes.

E em meio a toda essa efemeridade, em meio a toda a dúvida, em meio a todo o entendimento que sempre buscamos, existem aqueles que nos falam do que já descobriram:

"...O maior erro do ser humano, é tentar tirar da cabeça
aquilo que não sai do coração..."

[Fernando Pessoa]


~~~~~~

"Certos pensamentos são como orações: há momentos em que, qualquer que seja a
posição do corpo, a alma está sempre de joelhos."

[Victor Hugo]


~~~~~~

"Existir é isso: beber-se a si próprio. Sem sede."
[Sartre]


~~~~~~

"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento..."
[Clarice Lispector]



E às vezes me pergunto se as verdades que achamos no que os outros nos dizem, não são, na realidade, como nossas próprias verdades. E se toda verdade não se subdividiria, por sua vez, em duas categorias: nas que são atemporais, e nas que, no passar dos anos, percebemos que ou não éramos para ter levado assim tão a sério; ou que elas nos serviram magicamente então, mesmo que hoje não mais nos sirvam; ou que devíamos ter tido a coragem de levá-la a sério.

E isso assusta.
Como saber que tipo de verdade é a que estamos seguindo neste momento?

E eu, que sempre tomo a iniciativa para tudo; e eu, que sempre vou atrás de qualquer coisa que eu sinto que deva fazer; desta vez confio em Clarice e me abandono ao tempo: que ele saiba o que fazer comigo.

E eu, que não sei de nada, criei uma nova frase para mim:

Estou aprendendo a levar a vida no samba.

É isso: até que outra verdade me apareça: estou aprendendo a sambar.

Só me resta agora que mais alguém veja sentido nisso também e venha sambar comigo.








Tuesday, October 10, 2006

[uma música que me faz]


É complicado estipular uma definição quando se trata de seres humanos porque somos feitos de momentos

Mas há sempre uma essência estável dentro de cada um de nós

É essa essência que constitui nossos valores e nosso ser
Nossas fraquezas e fortalezas

A questão é que se eu fosse especular sobre minha essência*, ou se me pedissem para fazê-lo, eu lhes falaria que escutassem a música ‘She’, cantada pelo Elvis Costello e escrita por Charles Aznavour e Herbert Kretzmer

Ela fala de mim – com todas as suas contradições [por que não dizer: minhas contradições]

E ela pode não ter sido feita para mim, mas caibo nela como se eu tivesse sido feita para ela

E no dia que alguém me amar, é assim que quero ser amada
[Vide o nome dela em francês: Tous Les Visages de L'Amour]


SHE

She may be the face I can't forget
The trace of pleasure or regret
May be my treasure or the price I have to pay
She may be the song that summer sings
May be the chill that autumn brings
May be a hundred different things
Within the measure of a day
She may be the beauty or the beast
May be the famine or the feast
May turn each day into a Heaven or a Hell
She may be the mirror of my dreams
A smile reflected in a stream
She may not be what she may seem
Inside her shell....
She, who always seems so happy in a crowd
Whose eyes can be so private and so proud
No one's allowed to see them when they cry
She may be the love that cannot hope to last
May come to me from shadows in the past
That I remember 'till the day I die
She may be the reason I survive
The why and wherefore I'm alive
The one I care for through the rough and ready years
Me, I'll take her laughter and her tears
And make them all my souvenirs
For where she goes I've got to be
The meaning of my life is
She....She
Oh, she....



* porque sou minha melhor amiga e pior inimiga. e porque minha maior qualidade é também meu maior defeito

Friday, October 06, 2006


[arrumação]

A vida é formada de oi's e tchau's. De encontros e despedidas.

E tudo o mais que vivemos são formas de lidarmos com isso.

Nos vemos, pobres coitados pequenos que somos nós, tendo que sempre nos superar: superar uma dor, superar uma saudade, superar o tempo que não pára nem nos deixa parar.

Vivemos em constante arrumação.

Uma reforma eterna acontece dentro de nós.

E nos parece que cada espaço tem em si um tempo e tudo o que pertenceu àquele tempo.

E temos que ser esse super-faxineiro, que separa todas as coisas boas que não mais existem em um cantinho de saudade que será revisitado sempre que precisarmos de um sorriso certo.

Porque é isso, sabe?
Um sorriso que está no passado é um sorriso certo.
Um sorriso que teremos para sempre dentro de nós.

É claro que nem sempre essa arrumação é justa conosco: às vezes algo nos acontece e ficamos com uma vontade de correr para aquele canto e falar o que nos aconteceu, de ouvir aquela voz, aquela gargalhada, de receber aquele abraço, aquele olhar.

Mas aquela parte ali já foi removida, já pertence a outro espaço, já ficou no cantinho da saudade. E dói termos que nos acostumar com isso. Termos que nos lembrar constantemente que precisamos fazer essa arrumação sempre, que sempre que tudo aquilo nos aparecer, termos que ir lá no cantinho da saudade e depositar lá o que sentimos.

É uma arrumação dolorosa, essa. Leva dias, meses, anos. Leva tempo.

E aí chega um dia em que olhamos ao nosso redor e não precisamos mais arrumar tanto: tudo está no lugar em que deveria.

Quando esse dia chega, essa arrumação nos ajuda: sabemos o caminho que devemos trilhar para revisitar o nosso cantinho de saudade.

Lá, guardamos tudo de bom. Lá, só coisas boas são permitidas. Lá estão o sorriso bonito, os momentos de carinho, os momentos bons que nos são como fotos mentais, os abraços, os beijos, as palavras, a força que outrora recebemos [e que, veja só, ainda continua conosco, ainda funciona].

Nenhuma despedida é fácil.
Nenhum adeus é completamente justo.

E aos que ficam, uma nova vida é dada sem que seja nossa escolha. E uma arrumação nos é imposta para que continuemos. E nos é exigido que coloquemos antigas fotos em caixas, que separemos as lembranças que nos serão ainda constantes, das que não queremos sempre por perto. E temos que lidar com o que fizemos e com o que deixamos de fazer. Com nossos erros e com nossos acertos: porque o pior de uma despedida é isso: se não podemos mais errar, também não podemos continuar a tentar acertar. E nos vemos tendo que lidar com toda a ausência, com toda a falta: podemos ver [poderemos ver sempre], mas não podemos tocar.

Mas, quando estamos prontos, colocamos então essa auto-armadura: de espanador na mão, partimos para a arrumação que sabemos necessária.

E nos falamos [olha como somos lindos por cuidarmos de nós mesmos] que está na hora de continuar, que devemos seguir adiante sem aquela parte que tivemos que colocar no cantinho da saudade.

E vamos dormir nesse dia resolutos: vemos com clareza que somos pequenos, que não podemos tudo, que o adeus não nos pede permissão, que fizemos sempre o melhor que pudemos, que aquela pessoa que um dia era nosso oi, continuará sempre a ser: um oi que agora é nosso por completo, e que nos vem na hora em que quisermos, na lembrança em que escolhermos ir buscar no nosso cantinho de saudades.

E essa é uma descoberta feliz.
É um entendimento acalentador a respeito da vida e dos seus oi's e tchau's.

Nesse dia, vamos dormir conscientes de que somos apenas faxineiros.
Nada mais.


Tuesday, October 03, 2006



[morte]

Eu sempre achei que ia morrer bem jovem. Aquele típico sentimento dramático-adolescente aonde a gente se imagina tragicamente arrancado de nossa breve existência na terra, deixando para trás uma legião de pessoas chocadas com tão prematura partida.

Algo do tipo, sabe?

Eu tinha isso como certeza. Talvez por isso eu tenha sido uma jovem sempre tão boa em ser certinha.

Hoje em dia, passado o prazo de validade e eu ainda continuar por aqui, penso exatamente o contrário.

Acho que vou morrer bem, bem velhinha.

Aquela velhinha grande, ainda desastrada, que fica feliz com os beijos recebidos, que aceita de bom grado os cafunés dados, que adora agarrar todo mundo, apertar bochechas, dar abraços longos, rir das brincadeiras das crianças, que tem um livro grande de receitas, que senta no canto de um sofá e fica só admirando aquela vida toda acontecendo ao seu redor. Serei uma velhinha que conta histórias, que diz "na minha época..." [porque não tem nem graça ser velhinha e não dizer isso], que carregará um pouco de mágoas de algumas coisas da vida que não pôde ter, que não conseguiu mudar ou concretizar, mas que terá muitas coisas boas também a dizer sobre a vida, porque a vida tem sim seu sentido e inteligência. Adorarei escutar os jovens, que me parecerão tão sábios e energizantes, sentirei dor pelo aprendizado que saberei que todos os mais jovens que eu ainda passarão, mas terei a sabedoria para entender que tudo o que nos acontece nos molda, nos faz crescer.

E, se acontecer de não ter tido filhos, meus ou do coração, arranjarei netos-sobrinhos-adotados, ou não, ou ajuntarei gente por um motivo ou outro: porque só é bom com gente perto da gente. E, um belo dia, a vida virá me cutucar e dizer que já deu, que já sorri e chorei o suficiente, que já cuidei e fui cuidada o que era para ser, que já estava na hora de recomeçar. Aí eu viraria luz, e carregaria comigo tudo o de bom que eu vi e vivi, que eu senti e absorvi. Todas minhas boas memórias.

E, aqueles que me amaram mesmo, que souberam de mim, ficariam também com apenas o que de bom eu lhes dei.

Mas é claro, sabendo como a vida é brincalhona, ela pode inventar de me tirar assim de repente, em três ou dez, ou oito anos. Aí o povo fica tudo em polvorosa, chocado e pedindo para não pensarmos nisso, para não falarmos disso. Mas dá para entender esse medo todo sim, porque, venhamos e convenhamos, viver é bom e a morte é só uma outra opção mais funesta.

Ainda assim, já que entrei no tópico, deixa eu dizer logo: quero morrer velhinha sim, porque ainda há muito o que eu ver e viver e sentir e chorar e sorrir e aprender, mas, se acontecer da vida me colocar um fim neste começo, e me mandar começar outro começo, é bom dizer que vou feliz: que não gostaria de ir cedo não, mas que vejo sentido em cada um de nós termos aqui apenas o tempo que cada um de nós devemos ter.

E, dito essa coisa incoveniente, deixa eu sair desse assunto que é grande o número que não se agrada com ele.

E para melhorar os ares: aposto no lance de ser velhinha, porque a vida e eu conversamos um bocado e ela gosta de quem lhe puxa o saco [dica valiosa essa, viu?].

O fato é que, de um jeito ou de outro, a morte sempre faz a gente pensar. Ela é como uma resolução de Ano Novo. Se quase morri, mas não morri, reavalio tudo e mudo meu estilo de vida por completo, e passo a dar valor à vida como nunca antes. Se morreu alguém perto de mim, sinto a morte à espreita, me assusto com ela e também começo a pensar sobre a vida.

Engraçado como a morte nos faz pensar sobre a vida.

Mas é lógico isso também: o claro nos faz pensar sobre o escuro, a sede nos faz pensar sobre a água, o calor nos faz pensar no vento.

Somos uns safados nós, não é? Somos todos uns safados.

Mas vá lá: eu sei que na maioria das vezes não dá para tratar a morte com bom-humor: ela deixa saudades. Saudades que sabemos que, em vida pelo menos, nunca serão saciadas. E não há nada de bom nisso. E dói. Dói muito.

Dói uma dor que só o tempo, com seu jeitinho brasileiro, consegue um jeito de nos disfarçar: ele cria um monte de coisas para a gente pensar e nos arranja outras dores e outros sorrisos para não pensarmos mais nos que pertenceram ao outro tempo.

E termina que hábito é assim: quando a gente percebe, ele já chegou faz tempo.





[amar é...]





e quem me conhece sabe o grande presente que acabei de descobrir

Sunday, October 01, 2006


[i believe]



o cérebro perguntou pro coração:

e aí, meu irmão?

e o coração respondeu rapidinho:

batendo, batendo, batendo

e o cérebro sorrindo disse:

é por isso que gosto de ti

[enfim]























Charge do Marco Aurélio
Publicada no Jornal Zero Hora [RS] e na Charge Online