Friday, March 30, 2007

[são os teus olhos que vêem o mundo]

O que são nossas certezas, não é? O que você acreditou ontem? Em que achou estar certo? Quais foram os pensamentos que eram teus e que você viu se esvaírem como se eles nunca tivessem envolvido nenhuma intensidade...

Somos todos formados da mesma matéria falha. Uma matéria que só pode ter a certeza de que se modificará ainda milhares de vezes até que por fim se transforme pela última vez.

Recentemente, veio a mim a seguinte frase: “envelhecemos como vivemos”.

Uma vez me foi dito que não podemos fugir de quem somos, que transbordamos por nossos poros. E essa é sim uma grande verdade. O único complemento que faltou a essa afirmação é que nossos poros estão sempre a mudar.

O tempo os transforma, os fazem mais visíveis, mais coerentes com o que aceitar ou não da vida, mais certos do suor que devem ou não expelir.

Mas sim, envelhecemos como vivemos. Porque o viver é na verdade uma atitude perante a vida. Somos nossas crenças por sobre a vida, por sobre a experiência do viver.

No entanto é preciso ressaltar que essa não é uma verdade estática. Ou, para melhor expressar-me, não é uma verdade petrificada; mas sim uma verdade em movimento.

Porque caros, o que falta nessa grande verdade que clama que envelhecemos como vivemos é que somos vários ao viver: e temos na realidade tantas vezes quantas forem possíveis, até que se chegue à nós nossa finitude, para que percebamos o encantamento de viver, para que possamos crer nessa seqüência de acontecimentos e experiências que perfazem a própria vida.

Esparramo esses pensamentos por um motivo apenas: porque o emprego que eu quero da vida é o de caçadora de belezas.

Dessas belezas que faz você aos 89 anos ver a vida com toda a plenitude da juventude. Dessas belezas verdadeiramente belas, que sobrevivem a todas as tristezas e percalços, decepções e auto-vitimização.

Quero colocar meu par de óculos e enxergar por essas lentes magníficas, que ‘envelhecem como viveram’ e que viveram a perceber a beleza de apreender pequenas coisas, de saber quando dar a mão, de ver o lado mais bonito das pessoas e dos espaços ao seu redor.

Na realidade, são nossos olhos que vêem o mundo.

E cada par de olhos tem o mundo que enxerga.

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Desejo

-Victor Hugo-

"Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E
que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar
".

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Me é impressionante como algo tão lindo como essa poesia, ainda não seja capaz de englobar tudo o que é possível à vida.

São muitos os desejos. Uma vida apenas.

E a forma como essas duas variantes se entrelaçam na realidade só depende de nós.

Afinal, são nossos olhos que vêem o mundo.

Monday, March 19, 2007

[dia de varanda]


[discrição]

olhei-o
sem sabê-lo até eu
olhei-o

a indagar o passado
a relatar o presente
a apostar o futuro

olhei-o
acompanhando seus passos
o arrastar de sua existência
a coerência de seu julgamento

olhei-o

nem alegre
nem triste

olhei-o apenas
certa de que ele sempre existirá.

19/03/2007

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[vivas]

porque o romanesco contagia
entra nos sonhos sem permissão
briga com o dia a dia
frustra-se com o real

vivas pelo que se viva

que os sorrisos deixam-se sempre a depender de algo.

19/03/2007

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[volta]

conta-se
um, dois, três...
arrasta-se
impõe-se
pinta o pelos
risca a pele
fere
cura
traz lembranças do que não mais é
[mas que nunca deixará de ser]
é guardador de tanto
é depósito da existência
até que essa deixe de existir
e ainda assim guarda o que foi permitido registrar

pois que se registre.
pois certas coisas merecem ser eternas.

19/03/2007

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[não fui eu]

não fui eu quem disse
o que deveria ser dito
não fui eu quem consertou
o que deveria ser consertado
não fui eu quem escreveu
o que deveria ser escrito
não fui eu quem percebeu
o que deveria ter sido percebido
não fui quem acreditou
no que dever
ia ter sido crido

mas fui eu quem sonhou
exigente e geniosa
ingênua e irresponsável
ser resgatada do fogo que queimava.


19/03/2007

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[janela]

que às vezes
basta um pequeno espaço
um buraco quadrado
a atravessar a parede
e mostrar o mundo
que existe além.

19/03/2007

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verdade do dia: